Um filme em Zurich
Nota prévia:
Este texto baseia-se em mais um episódio da minha viagem de curso.
É o quarto desta série.
Antes, coloquei em exibição:
“A viagem de curso” em 13 MAI 05
“As putas de Amsterdam” em 20 MAI 05
“Em Paris” em 11 JUN 05
Vindo de Genève, o autocarro com os felizardos finalistas chegou a Zurich ao fim da tarde do dia dezasseis de Março de 1972.
Fomos largados à porta do Hotel Rothus que, pudemos constatar, era o mais fraco e baratucho de todos aqueles onde pernoitamos. Por isso, também foi o único em que estava incluído o jantar. Foi a compensação feita pela agência de viagens que tratou dos alojamentos (com excepção dos da Alemanha): a Wagons-Lit Cook que, aliás, foi sempre impecável.
Ficava na zona velha da cidade mas, como já era quasi noite e nele tomaríamos a refeição, acabamos por não conhecer nada da cidade.
Aquando da habitual azáfama de retirar as malas da viatura, distribuir os quartos e neles fazer a arrumação mínima, reparamos que mesmo em frente havia um cinema que tinha em exibição um filme que, quer pelo título quer pelos cartazes, parecia ser um filme erótico.
Aqui vou recordar mais uma vez que estávamos em 1972. A política salazarista de censura no cinema era bem forte. Quantos filmes não eram pura e simplesmente proibidos? E quantos não eram truncados, muitas vezes de tal modo que o próprio enredo se tornava incompreensível? Muitos, seguramente.
Não posso deixar de vos contar uma das mais caricatas manifestações desse puritanismo saloio que vi no cinema.
Estava a presenciar um filme com a então vedeta Brigitte Bardot e, num plano em que a actriz apareceria filmada nua da cinta para cima, de frente, exibindo os seus ainda bonitos seios, de repente a metade inferior do écran aparece toda negra, só deixando ver dos ombros para cima a bela francesa.
Aliás, mostrar seios era completamente interdito nas salas de espectáculos.
Quando em vinte e oito de Setembro de 1968 Marcelo Caetano (padrinho do conhecido Marcelo Rebelo de Sousa, a quem deu o nome próprio) assumiu a presidência do Conselho de Ministros, os aspectos relativos à censura foram progressivamente reduzidos, sobretudo no que diz respeito a livros. Mas também no cinema.
Recordo aqui o primeiro filme visto em Portugal em que seios femininos eram mostrados num plano muito semelhante ao que atrás referi para a Bardot. Eu, que na altura era um frequentador mais do que assíduo das salas de cinema, fui ver a estreia de “La piscine”, um policial francês bem ao meu gosto, realizado em 1968 por Jacques Déray e interpretado por Alain Delon, Maurice Ronet, Romy Schneider e Jane Birkin.
Penso que estaríamos em 1969. Talvez 1970.
Mesmo no final da segunda parte (e recordo que havia uma primeira preenchida normalmente com desenhos animados, um jornal de actualidades, e traillers dos próximos filmes a exibir, e depois mais duas com o filme de fundo) surge o tal plano em que, pela primeira vez, vi umas mamas no cinema (as da actriz austríaca e que, por sinal, e para decepção da maioria dos espectadores à soirée que eram homens, já estavam bastante descaídas).
Logo a seguir foi o intervalo (o segundo) e não pude deixar de notar no rosto dos que vieram cá fora fumar um cigarrito e fazer um xixi uma cara diferente da habitual. E o silêncio também era bem maior que o costumeiro. Ao fim e ao cabo, acabávamos de ver um facto histórico. E os seios da Romy assim se tornaram um ícone do cinema no nosso país.
Mas filmes eróticos e pornográficos, nem pensar em vê-los. Isso ficaria para depois da revolução.
Voltemos a Zurich.
Acabado o repasto, muito de nós, rapazes e raparigas, resolvemos ir ver o tal filmezito.
E digo assim porque, de facto, era uma comédia brejeira com actos sexuais visivelmente simulados, uma linguagem desbragada (foi o que me disse no final um emigrante português que lá estava, pois eu de alemão não sei mais do que contar até dez) e uns nus femininos e masculinos. O certo é que muitas das nossas colegas não resistiram a dar uns gritinhos semi-histéricos. Mas, para todos os efeitos, foi o primeiro filme “despudorado” que vimos, pelo que não pode deixar de ser referido como um ponto importante da nossa saga através da Europa democrática e sem censura.
No final, alguns dos moços estivemos a ouvir o tal emigrante português, que era porteiro no edifício da ONU em Genève, a contar-nos histórias para adultos sobre a sua experiência na Suiça. Coisas um pouco fantasiadas, penso, mas que não deixavam de nos fazer abrir a boca de espanto, algumas vezes.
Só quem viveu os tempos da ditadura pode avaliar bem o que tudo isto poderia representar para nós.
E no dia seguinte bem cedo, como de costume, abalamos rumo a Innsbruck, na Áustria, onde passamos dois dias e duas noites estupendos, nomeadamente nas pistas de neve onde quasi todos nós andamos de “sku” pela primeira vez.
Este texto baseia-se em mais um episódio da minha viagem de curso.
É o quarto desta série.
Antes, coloquei em exibição:
“A viagem de curso” em 13 MAI 05
“As putas de Amsterdam” em 20 MAI 05
“Em Paris” em 11 JUN 05
Vindo de Genève, o autocarro com os felizardos finalistas chegou a Zurich ao fim da tarde do dia dezasseis de Março de 1972.
Fomos largados à porta do Hotel Rothus que, pudemos constatar, era o mais fraco e baratucho de todos aqueles onde pernoitamos. Por isso, também foi o único em que estava incluído o jantar. Foi a compensação feita pela agência de viagens que tratou dos alojamentos (com excepção dos da Alemanha): a Wagons-Lit Cook que, aliás, foi sempre impecável.
Ficava na zona velha da cidade mas, como já era quasi noite e nele tomaríamos a refeição, acabamos por não conhecer nada da cidade.
Aquando da habitual azáfama de retirar as malas da viatura, distribuir os quartos e neles fazer a arrumação mínima, reparamos que mesmo em frente havia um cinema que tinha em exibição um filme que, quer pelo título quer pelos cartazes, parecia ser um filme erótico.
Aqui vou recordar mais uma vez que estávamos em 1972. A política salazarista de censura no cinema era bem forte. Quantos filmes não eram pura e simplesmente proibidos? E quantos não eram truncados, muitas vezes de tal modo que o próprio enredo se tornava incompreensível? Muitos, seguramente.
Não posso deixar de vos contar uma das mais caricatas manifestações desse puritanismo saloio que vi no cinema.
Estava a presenciar um filme com a então vedeta Brigitte Bardot e, num plano em que a actriz apareceria filmada nua da cinta para cima, de frente, exibindo os seus ainda bonitos seios, de repente a metade inferior do écran aparece toda negra, só deixando ver dos ombros para cima a bela francesa.
Aliás, mostrar seios era completamente interdito nas salas de espectáculos.
Quando em vinte e oito de Setembro de 1968 Marcelo Caetano (padrinho do conhecido Marcelo Rebelo de Sousa, a quem deu o nome próprio) assumiu a presidência do Conselho de Ministros, os aspectos relativos à censura foram progressivamente reduzidos, sobretudo no que diz respeito a livros. Mas também no cinema.
Recordo aqui o primeiro filme visto em Portugal em que seios femininos eram mostrados num plano muito semelhante ao que atrás referi para a Bardot. Eu, que na altura era um frequentador mais do que assíduo das salas de cinema, fui ver a estreia de “La piscine”, um policial francês bem ao meu gosto, realizado em 1968 por Jacques Déray e interpretado por Alain Delon, Maurice Ronet, Romy Schneider e Jane Birkin.
Penso que estaríamos em 1969. Talvez 1970.
Mesmo no final da segunda parte (e recordo que havia uma primeira preenchida normalmente com desenhos animados, um jornal de actualidades, e traillers dos próximos filmes a exibir, e depois mais duas com o filme de fundo) surge o tal plano em que, pela primeira vez, vi umas mamas no cinema (as da actriz austríaca e que, por sinal, e para decepção da maioria dos espectadores à soirée que eram homens, já estavam bastante descaídas).
Logo a seguir foi o intervalo (o segundo) e não pude deixar de notar no rosto dos que vieram cá fora fumar um cigarrito e fazer um xixi uma cara diferente da habitual. E o silêncio também era bem maior que o costumeiro. Ao fim e ao cabo, acabávamos de ver um facto histórico. E os seios da Romy assim se tornaram um ícone do cinema no nosso país.
Mas filmes eróticos e pornográficos, nem pensar em vê-los. Isso ficaria para depois da revolução.
Voltemos a Zurich.
Acabado o repasto, muito de nós, rapazes e raparigas, resolvemos ir ver o tal filmezito.
E digo assim porque, de facto, era uma comédia brejeira com actos sexuais visivelmente simulados, uma linguagem desbragada (foi o que me disse no final um emigrante português que lá estava, pois eu de alemão não sei mais do que contar até dez) e uns nus femininos e masculinos. O certo é que muitas das nossas colegas não resistiram a dar uns gritinhos semi-histéricos. Mas, para todos os efeitos, foi o primeiro filme “despudorado” que vimos, pelo que não pode deixar de ser referido como um ponto importante da nossa saga através da Europa democrática e sem censura.
No final, alguns dos moços estivemos a ouvir o tal emigrante português, que era porteiro no edifício da ONU em Genève, a contar-nos histórias para adultos sobre a sua experiência na Suiça. Coisas um pouco fantasiadas, penso, mas que não deixavam de nos fazer abrir a boca de espanto, algumas vezes.
Só quem viveu os tempos da ditadura pode avaliar bem o que tudo isto poderia representar para nós.
E no dia seguinte bem cedo, como de costume, abalamos rumo a Innsbruck, na Áustria, onde passamos dois dias e duas noites estupendos, nomeadamente nas pistas de neve onde quasi todos nós andamos de “sku” pela primeira vez.
29 Comments:
:) Falas da censura, e acho engraçado comparar com o que temos actualmente. A grande diferença que existe entre o antes e o depois. Eu vivi o depois. Acho que a PIDe iria adorar estar aqui agora. :) Muito trabalhinho iria ter. Corta corta corta.... risca risca riscaaaaaaa.... ;p
o melhor da faculdade é mesmo o currículo nulo, ou seja, os intervalos, os almoços, a queima, a viagem...
abraço da leonor
Hummm isso é que foi gozar em farta, muita novidade de uma só vez hehehheh
já viste a quantidade de sexo que existe num filme actualmente? conta-se pelos dedos de uma mão, os bons filmes que aparecem nas salas de cinema. Daí eu ter dito aquilo da pide. Queria ver a selecção que iriam fazer nos dias que correm. :) Iam ficar fartos das ditas tesouradas.
ja reparaste que mudei de tactica?agora respondo no blog do meu visitante...
por isso...
alguns filmes americanos são bons. sao muito bons mesmo e estou a lembrar-me por exemplo, do "paris texas" ou do "o regresso dos herois". ha mais.
mas penso que as produções europeias são mais intelectuais, e de referir todos os realizadores que disseste.(Truffaut, Chabrol, Rommer, Lelouch, Antonioni, Monicceli).
quanto ao re do re do teu comentario, rssss
de facto assim é, tudo o que vemos num filme ou lemos num livro é a vida à volta do trabalho.
abraço da leonor
...vou de férias António...não estranhes a minha ausência...mas volto logo em Setembro...
Beijinhos.
lol, tens sempre boas histórias para contar. Imagino a carinha de vocês todos a ver os seios da Rommy.lololol. beijos
Também digo: Isso é que foi gozar :) Beijocas e votos de uma óptima semana!
vi os recados informadores de tão manifesta consideração pelos seus amigos da blogsfera.
tanta que o leva a comprar um equipamento novo.
o tratamento por você é realmente muito chique.
mudei a foto novamente. todos se queixavam do tom amarelado.rs
ai,ai, que paciencia.
abraço da leonor
António, é interessante pensar no passado e comparar com o presente.
Nessa época qualquer "novidade" tinha um valor extraordinário. Como sempre, uma boa crónica de viagem, que se lê com interesse.
Beijinhos
Pois... Tinha que haver mamas!!!
;-) lolo, Agora fora de brincadeiras, eu não estava sequer em Portugal na revolução dos cravos, mas imagem que tive em Angola, para mim essa época, era a pior que tinha acontecido (era "pikena" na epoca, claro ;-)) Lá nessa altura isso eu e restante familia, tinhamos sido despojados de tudo o que ali se tinha construido e mais o se tinha levado de Portugal. Hoje entendo que toda aquela época foi sem sombra de duvida, um mal muito necessário. Não só pelo que tu escreveste mas também por muitos outros motivos. Olha por exemplo nã podia ter lá o meu bloguito por certo, havia de ter em cima o carimbo CENSURADO!!! Jinhos e um Beijo terno para ti e todos da tua geração.
Olá,
Era ainda criança nos tempos da censura, mas recordo bem os avisos do meu pai com medo da Pide, pois familiares foram troturados pela Pide pelo simples facto de roubar um pouco de gasolina.
Deixa estar que aqui nos Açores mesmo já no tempo da Liberdade havia censura na RTPAçores. O Mota Amaral cortava cenas de sexo nos filmes que passavam.
E agora na nossa actualidade pareçe que esses estúpidos dos políticos estão a querer desenterrar esses tempos da censura, do facismo, mascarados de rosa.
Ana
és um professor que tens na escrita uma maquina do tempo que nos ensina.nela viajo melhor que nos livros da escola, para ti a minha nota é a mais alta como contador de historias, da tua historia.jinho-amcosta
É sempre muito interessante ler as tuas experiências de vida.
Todos apreendemos muito com elas.
Eu ainda era uma criança quando se deu o 25/04 e desconhcia o que se passava então.
Estas crónicas chegam a ser documentos históricos.
Beijinhos
Reparei agora que estou incluida nos teus links, muito obrigada.
Eu ainda não aprendi a linkar outros blogs, quando o fizer pretento incluir-te.
Beijinhos grandes.
E eu não te falo mais enquanto não acabares de contar a história da Lúcia! ;-)
És um querido. Mas é que és mesmo. Pronto, já disse e agora deixo-te um beijinho de afecto e gratidão.
Impecável...
e, de facto...nem todos compreenderão o valor deste texto. Épocas diferentes...
Ah...
Estive fora e parece que ninguém deu por isso…BUááá´´aá.
Beijos mil, BShell
não sou maria rapaz? a minha colega disse que se calhar deveria ser...rsssssssss
muito obrigado sempre pelos comentarios bonitos que me deixas.
abraço da leonor
simplesmente fantastico (acho que estou a tornar-me repetitiva)
Beijinhos e boa semana
Olá... finalmente os commentes abrem!!
Não tenho conseguido abrir os comentários, apesar de vir aqui ler, muitas vezes... mas agora (parece-me) já ter acesso...
Um belo relato, de umas memórias fantásticas...
Gostei, como aliás gosto de ler sempre, os teus textos.
Um abraço ;)
sabes que ainda há muito lugar dito civilizado onde a censura aos filmes é um facto? No Canadá, não há cenas de nú na tv, nem pensar! O nosso Portugal não é tão mau como pensamos... ;)
beijinho
Interessante e muito bem escrito este texto.
Meu caro amigo, hoje a censura apenas se faz sentir de outras formas.
As minhas desculpas pela ausência. Tenho andado a dar "caça" exactamente a uma censora!
Abraços
António obrigada pelo beijinho que me deixas-te quando da partida da minha tia.
Desculpa só agradecer agora...mas vê lá tu ...não sei como fiz que fui agradecer a outro António...estava um pouco desorientada e á pouco è que dei por isso.
Beijinhos para ti.
Ai que saudades eu tenho de ver na tela todas as divas repletas de atributos(todos delas)!
Beijos
Para "azul":
Minha querida!
Ainda há telas...eh eh
Jinhos
Pescador da barca bela
Inda é tempo, foge dela...
:)
Para "azul":
Não fujo nada!
Não tenho medo!
Sou como o Ulisses!
Bjinhos
Eu lembro-me lindamente do filme "A Piscina" Se não me engano estava no Tivoli de Lisboa que ficava mesmo em frente da minha casa. Fomos num grupos grande e com 3 dos meus irmão mais velhos. E todos ficaram decepcionados com as maminhas da Romy Schneider....pobre rapariga já estava um cadinho tanto "passada" na idade e ainda não havia as praticas dos lifts e operações esteticas....
beijinhos
Zica
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