Eu sou louco!

Irreverência, humor, criatividade, non-sense, ousadia, experimentalismo. Mas tudo pode aparecer aqui. E as coisas sérias também. O futuro dirá se valeu a pena...ou melhor seria ter estado quietinho, preso por uma camisa de forças! (este blog está registado sob o nº 7675/2005 na IGAC - Inspecção Geral das Actividades Culturais)

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segunda-feira, agosto 15, 2005

No norte de Itália

Quando escrevo sobre acontecimentos passados, recorro fundamentalmente ao que está retido na minha memória. Mas, procurando na maleta das recordações, na colecção das velhas fotografias, nos mapas geográficos, aparece sempre algum documento que ajuda a localizar os locais, a revisitar ruas e monumentos, a definir datas. E são preciosos auxiliares e revigorantes cerebrais.
Para o texto que se segue, bem procurei alguma ajuda, mas nada apareceu. Portanto, o que vos vou contar é baseado somente na memória. Espero que essa minha função intelectual ainda esteja a trabalhar bem!



Na Páscoa de 1977 logrei obter o meu primeiro emprego na indústria privada.
Foi na zona de Vizela, numa fábrica de revestimentos têxteis, isto é, telas ou malhas revestidas a plástico flexível, nomeadamente PVC e poliuretanos, originando couro artificial para vender em rolos e destinado a confeccionar napas para estofos e vestuário, marroquinaria e calçado, principalmente.
Exercia as funções de chefe do laboratório e uma das principais tarefas que me foram cometidas consistia no desenvolvimento de novos produtos. Trabalho muito interessante e que, quando bem sucedido, era bastante compensador (espiritualmente, já que materialmente tudo ficava na mesma).
Saí em 1979, também pela Páscoa, tendo cometido um dos maiores erros da minha vida. Ou talvez não. Mas isso agora pouco interessa.
No final da primavera de 1978, em Maio ou Junho, fui com um colega e meu chefe, o director de produção Eng. Américo, visitar durante dez dias (ida num domingo, regresso numa terça-feira) uma empresa congénere italiana com a qual tínhamos um acordo para apoio técnico. Como os frutos daí resultantes eram muito poucos, essa permanência de seis dias úteis na Flexa, talvez dessem bom resultado.
Naturalmente que não vou aqui falar do que aconteceu durante as oito horas diárias dentro da fábrica, mas sim daquilo que fica mais bem guardado na memória, isto é, o que acontece durante o período de lazer.
Ficamos alojados num hotel de Gallarate, uma pequena mas moderna e activa cidade industrial da zona mais rica de Itália, a Lombardia. Fica situada a norte de Milão e a sul de Varese.
Como a nossa empresa estava com dificuldades financeiras (que anos mais tarde viria a ultrapassar), pôs-nos a dormir no mesmo quarto que, por infeliz acaso, só tinha uma cama. A situação não era muito simpática, mas como o Américo tinha sido meu colega de curso e estivera comigo em Luanda, na Marinha, encaramos o desconforto com umas piadas ajustadas ao facto, nomeadamente ao de dormirmos na mesma cama.
Como aquilo era uma visita de trabalho e bem cedo estava à porta do hotel uma carrinha para nos levar para a fábrica da Flexa, o mesmo acontecendo no regresso, só tínhamos livres uma meia hora antes do jantar e depois um pouco da noite porque, o mais tardar às onze, íamos para o quarto.
Para além de jantarmos quasi sempre umas pizzas ou sparghetti (foi aí que aprendi a comer esses tubos longos, fininhos e fugidios com colher e garfo), depois dávamos uma volta a pé pela zona circundante do hotel, onde havia dois jardins, até recolhermos a penates após uma passagem pelo bar para beber um scotch potenciador do sono.
Numa dessas noites, após o jantar, passamos por duas moças italianas, talvez ainda teenagers, que deram umas risadinhas como quem quer dizer: “Venham daí!”. E nós fomos! O entendimento não foi fácil pois elas não pareciam ser muito instruídas, mas lá se foi mantendo uma conversinha mais ou menos sem pés nem cabeça. Quando elas disseram que iam para casa, nós continuamos a acompanhá-las com toda a calma. Se desse alguma coisa, muito bem. Se não desse, paciência.
Estava já completamente escuro quando as raparigas atravessaram um grande portão de ferro que dava acesso a um vasto átrio interior rodeado por habitações e lojas. Meteram-se num talho que ainda estava de portas abertas, apesar da hora. Nós também entramos para esse átrio apesar de muito mal iluminado. Resolvemos aguardar mais alguns minutos para ver se estava mesmo tudo perdido.
Eis que à porta da loja surge um corpulento vulto que o contra luz tornava negro, a vociferar coisas que não percebemos e com o braço direito levantado e brandindo um facalhão.

Parecia uma cena de um filme de terror!
Perante aquela imagem...ah, pernas para que vos quero?
Mesmo com pouca luminosidade, lá nos orientamos chegando em tempo record ao hotel.
Nessa noite os whiskies foram duplos e sempre com um olho na porta de entrada.
Ainda agora pergunto a mim mesmo o que teria originado uma reacção tão agressiva por parte do italiano (o gajo devia ter vindo da Sicília!). Seria puro gozo? Talvez!

Quando chegou o fim-de-semana, resolvemos ir no sábado a Milão, de comboio. A estadia não deu para conhecer minimamente a cidade que me pareceu bastante moderna do ponto de vista arquitectónico.
Mas não pudemos deixar de ir ao Duomo conhecer um dos mais maravilhosos monumentos que jamais vi: a catedral. A Catedral de Milão. Construída numa rocha muito clara, penso que calcário, e com uma incontável quantidade de rendilhados no melhor estilo gótico. Demorou quinhentos anos a construir.
Mesmo ao lado, duas ruas cruzando-se em forma de cruz. Com construções antigas e de grande cunho artístico. E a particularidade de terem uma cobertura de vidro. Constituíam a Galleria Vittorio Emanuel onde pontificavam lojas com nomes famosos e produtos caríssimos.
Bem perto estava o famoso Teatro Scala, talvez a mais famosa opera house do mundo.
No domingo, partimos outra vez de Gallarate, dentro de um comboio que nos levou até ao bordo sul do Lago Maggiore (Maior, em português), na zona pré-alpina e já muito perto da Suiça. Magníficas paisagens que não fotografei porque não havia levado a máquina. Penso que Américo o fez. Um dia hei-de-lhe perguntar. É uma zona turística, que penso muito cara, sem edifícios modernos, tudo em estilos antigos mas muito bonitos. Não falo mais sobre o assunto porque de linhas arquitectónicas percebo tanto como de linhas de coser. Isto é, nada!

Foi esta a única vez que fui a Itália.
Espero um dia ir a Veneza.
Ir a Veneza e morrer…diz-se

25 Comments:

Blogger saltapocinhas said...

Quando as vidas são muito atribuladas e cheias de acontecimentos, costuma-se dizer que davam um filme...A tua, pelo que vejo, dava uma telenovela (das da TVI, é claro...)
Xiça lá para o homem, que não pára quieto!

12:10 da manhã  
Blogger wind said...

gargalhadas, deve ter sido giro vocês a fugirem. lololol. Mais uma boa prosa de um bom contador de "estórias":) beijos

12:43 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Histórias de vida! E são tantas...
Mais uma admirável crónica!
Cheia de acção!
Tenho sorte, por ter encontrado este “livro”!

GR

1:19 da manhã  
Blogger António said...

Para GR:
Mais uma visita, mais elogios!
Obrigado pela presença assídua e pelas palavras sempre motivadoras.
Abraço

8:19 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

HUMMMMMMMMMM! Milão! A viagem que me fizeste reviver.Espreitei de lá a tua também, e vi de longe o teu sorriso!

10:34 da manhã  
Blogger Leonor said...

para escrever sobre aquilo que vivemos recorremos á memoria e a outra memoria feita matéria, as fotos, os mapas, as madeixas de cabelo, um simples marcador... e outras coisas lembramos, aquelas que jugávamos mais esquecidas mas que afinal nao estavam.

abraço da leonor

10:36 da manhã  
Blogger heidy said...

Bem... cheguei pah! Agora é Itália? ai ai... primeiro vou a marrocos sff.

bjokas de uma das anjas

11:42 da manhã  
Blogger António said...

Para "azul":
Quando estiveste em Milão?
Jokas

1:35 da tarde  
Blogger Leonor said...

nunca me esqueço de cá vir!!!!!!????

esta agora!!!!!!!!!!
se eu ha seis meses que acompanho as tuas historias e ja sei mais ou menos os dias em que elas saem...
o eu sou louco faz parte da minha rotina bloguiana... (inventei agora, afinal não é só o Eça que inventa neologismos, rs)

abraço da leonor

2:14 da tarde  
Blogger margusta said...

António um beijinho..com mais tempo passo para comentar.

3:57 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Há 6 anos, há 4 anos, há 1 ano, e há meio anito.Ah! E também me serviu de desculpa para uma viagem que não fiz(disse que tinha estado em Milão).Não pegou!!!

6:56 da tarde  
Blogger António said...

Para "azul":
Penso que são todas ou quasi todas viagens de cariz profissional.
Na outra...tiveste azar!
eh eh

Jokinhas

7:16 da tarde  
Blogger Menina Marota said...

Ir a Veneza e... voltar novamente lá!
Já lá fui uma vez. Não lhe dei o devido valor, eu sei... preocupada em viver a euforia do momento.
Espero não morrer, sem lá voltar!
Mais uma crónica soberba, que é uma delícia ler...
Um abraço ;)

12:22 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Olá, olá! Esta semana ainda não tinha passado por aqui pra deixar o beijinho do costume! Ando sempre à pressa!!! Mas não me esqueço de passar por aqui! :)

1:30 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

:D
Bom Dia!
bem, tens sempre a hipotese de ir pela Rayanair, é baratíssimo! E assim não vais só a Veneza!

:) As tuas histórias deixam-me com um sorriso nos lábios...

beijinho!

1:32 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

As memórias das viagens podem ser quase tão saborosas como as próprias viagens. Mais serenos, mais lúcidos, vemos melhor aquilo que, em tempos, pode ter passado por nós deixando rasto aparentemente pouco nítido. Esta viagem ao Norte de Itália deve ter sido uma aprendizagem magnífica!

2:59 da tarde  
Blogger Leonor said...

a produzir que nem o Camilo... rsss

Adorei saber que sabes esses pormenores dos nossos literatos. de facto, dos nossos escritores foi talvez aquele que mais escrevia, para o corpo sobreviver e só depois a alma.

abraço da leonor

7:14 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

senhor louco, resposta no sítio do costume.
Obrigada, a gerência agradece!

8:58 da tarde  
Blogger maresia said...

Na Páscoa de 1977 caiu-me um dente, passou o chão de madeira corrida de casa da minha avó e caiu através de um nó furado nunca mais tendo sido encontrado.

diz-me a imaginação, que a memória não a tenho desses tempos!

quais "pets"???

10:21 da tarde  
Blogger maresia said...

anda alguém a prometer-me uma viagem a milão há semanas... supostamente um em trabalho e o outro refundido... a seu tempo contarei!!!

10:26 da tarde  
Blogger Mitsou said...

Ohhhh. Estava à espera da explicação do siciliano. Um stronzo, como diz a nossa Titas. Agora a sério, gostei muito deste passeio e espero que vás a Veneza para depois nos contares tudo. Se for preciso (lagarto, lagarto), falas com o commissario Brunetti *, da Questura, e dizes que és meu amigo :) Baci mille!

* Charmoso personagem dos livros de Donna Leon (NT)

10:28 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

ai o 'senhor louco' não gosta de pets e declarou morte a eles!!!...
hum...

:) estou a brincar claro, mas achei engraçado que n tivesses comentado nada!

beijo

11:16 da tarde  
Blogger margusta said...

António mais uma vez viajei contigo,consegues transportar-nos nas tuas palavras.

Mas que raio escolhias sempre as moças erradas.

Vai a Veneza ..vai...mas não morras por lá...porque precisamos de ti.
Beijinhos

11:49 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

aqui estás melancolico amigo, pelo dia deste post, ainda não são saudades-hihihi
amigo não vás a Viena. compra uma revista com fotografias de lá e fica por ai, senão...?!-amcosta

10:07 da manhã  
Blogger António said...

Para Ana Maria Costa:
Bom regresso!
Obrigado pelo comment.
Só um detalhe:
É Veneza e não Viena.
O problema de Veneza é morrer afogado.
Mas eu levo uma bóia com um patinho e deixa de haver perigo!
Jinhos

4:17 da tarde  

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