Camurso!
O meu pai tinha três irmãos.
Um mais velho, Manuel de seu nome, e dois mais novos, Gilberto e António, sendo este o benjamim.
Já todos faleceram. O último foi o António, que morreu no verão passado com 78 anos.
António (ou o tio Tone, como lhe chamava) era o bem disposto do grupo.
Sempre bem humorado, dizer piadas era com ele. Falava pelos cotovelos. E tinha um descaramento, uma total ausência de timidez, que deixava os irmãos muitas vezes embaraçados. Mas não era inconveniente. Tinha o sentido das proporções.
Foi casado, depois viúvo, mas não teve filhos. Meu pai, que nem sempre estava disposto a aturar tanta irreverência, dizia muitas vezes em tom de censura paternal:
- Se tivesses a responsabilidade de sustentar e educar dois filhos, como eu, não andavas sempre com essa boa disposição.
Mas não deixava de lhe achar piada!
Pois o meu tio António também era um portista ferrenho.
E, nomeadamente nos anos 60, muitas vezes ía com o mano Fernando (quero dizer, o meu pai) comigo e com a minha irmã para as bancadas do já desaparecido Estádio das Antas para ver o Porto jogar.
Como vivíamos bem pertinho, chegávamos cedo e sentavamo-nos (ou colocavamos umas almofadinhas) nos degraus de cimento que constituiam a bancada. Havia uns grupinhos que íam para a mesma zona e conversávamos uns com os outros. E não só sobre futebol.
Bom! Há uma correcção a fazer: o meu tio normalmente chegava mais tarde, mas o irmão marcava-lhe o lugar. E quantas vezes já estava a bancada cheia, as pessoas a cobiçarem o lugar do tio Tone, e o meu pai a desabafar:
- Qualquer dia deixo de lhe marcar lugar! Ainda tenho alguma discussão por lhe estar a guardar a almofada. Que raio de homem! É sempre o mesmo!
Mas o António nunca faltava. E mal nos via, com o seu potente vozeirão, característica bem distintiva, berrava:
- Ó Fernando! Já cheguei!
ou
- Ó irmão! Já cá estou!
- Agora põe-se aos berros! Parece que não teve educação! – resmungava o discreto mano Fernando.
Começado o jogo (não sei se já assistiram ao vivo a um jogo de futebol) lá vinham as palmas, os assobios, os incitamentos, os apupos, os impropérios. Uma delícia para um sociólogo. E não só! Minha irmã deleitava-se a apreciar o comportamento da multidão. Era o grande prazer dela.
E os árbitros?
Bom! É bem conhecido que são sempre o mau da fita. Quando o pessoal da bancada achava que ele tinha prejudicado o Porto, parte dele levantava-se e aqueles conhecidos nomes em vernáculo ecoavam durante um pequeno intervalo de tempo.
Claro que o tio Tone ajudava à festa!
Mas, de vez em quando, resolvia fazer o seu solo.
Solo? Sim, solo!
Eu explico!
Quando a multidão vociferava palavrões contra o homem do apito e seus auxiliares (os bandeirinhas, como se chamavam na época), o nosso protagonista mantinha-se impávido e sereno.
Mas quando o bruaá amainava, ele levantava-se e bradava na sua voz de trovão:
- Camurso!
E era ver centenas ou mesmo milhares de cabecinhas a voltar-se para o ponto donde partira o berro.
Quando achava que tinha auditório suficiente, explicava alto e bom som:
- Camurso quer dizer 50% camelo e 50% urso!
E sentava-se calmamente com um irreprimível ar de gozo e perante a gargalhada geral!
Ainda hoje, uma velho amigo que algumas vezes assistiu à cena, se refere ao tio como: “o teu tio camurso”.
Um mais velho, Manuel de seu nome, e dois mais novos, Gilberto e António, sendo este o benjamim.
Já todos faleceram. O último foi o António, que morreu no verão passado com 78 anos.
António (ou o tio Tone, como lhe chamava) era o bem disposto do grupo.
Sempre bem humorado, dizer piadas era com ele. Falava pelos cotovelos. E tinha um descaramento, uma total ausência de timidez, que deixava os irmãos muitas vezes embaraçados. Mas não era inconveniente. Tinha o sentido das proporções.
Foi casado, depois viúvo, mas não teve filhos. Meu pai, que nem sempre estava disposto a aturar tanta irreverência, dizia muitas vezes em tom de censura paternal:
- Se tivesses a responsabilidade de sustentar e educar dois filhos, como eu, não andavas sempre com essa boa disposição.
Mas não deixava de lhe achar piada!
Pois o meu tio António também era um portista ferrenho.
E, nomeadamente nos anos 60, muitas vezes ía com o mano Fernando (quero dizer, o meu pai) comigo e com a minha irmã para as bancadas do já desaparecido Estádio das Antas para ver o Porto jogar.
Como vivíamos bem pertinho, chegávamos cedo e sentavamo-nos (ou colocavamos umas almofadinhas) nos degraus de cimento que constituiam a bancada. Havia uns grupinhos que íam para a mesma zona e conversávamos uns com os outros. E não só sobre futebol.
Bom! Há uma correcção a fazer: o meu tio normalmente chegava mais tarde, mas o irmão marcava-lhe o lugar. E quantas vezes já estava a bancada cheia, as pessoas a cobiçarem o lugar do tio Tone, e o meu pai a desabafar:
- Qualquer dia deixo de lhe marcar lugar! Ainda tenho alguma discussão por lhe estar a guardar a almofada. Que raio de homem! É sempre o mesmo!
Mas o António nunca faltava. E mal nos via, com o seu potente vozeirão, característica bem distintiva, berrava:
- Ó Fernando! Já cheguei!
ou
- Ó irmão! Já cá estou!
- Agora põe-se aos berros! Parece que não teve educação! – resmungava o discreto mano Fernando.
Começado o jogo (não sei se já assistiram ao vivo a um jogo de futebol) lá vinham as palmas, os assobios, os incitamentos, os apupos, os impropérios. Uma delícia para um sociólogo. E não só! Minha irmã deleitava-se a apreciar o comportamento da multidão. Era o grande prazer dela.
E os árbitros?
Bom! É bem conhecido que são sempre o mau da fita. Quando o pessoal da bancada achava que ele tinha prejudicado o Porto, parte dele levantava-se e aqueles conhecidos nomes em vernáculo ecoavam durante um pequeno intervalo de tempo.
Claro que o tio Tone ajudava à festa!
Mas, de vez em quando, resolvia fazer o seu solo.
Solo? Sim, solo!
Eu explico!
Quando a multidão vociferava palavrões contra o homem do apito e seus auxiliares (os bandeirinhas, como se chamavam na época), o nosso protagonista mantinha-se impávido e sereno.
Mas quando o bruaá amainava, ele levantava-se e bradava na sua voz de trovão:
- Camurso!
E era ver centenas ou mesmo milhares de cabecinhas a voltar-se para o ponto donde partira o berro.
Quando achava que tinha auditório suficiente, explicava alto e bom som:
- Camurso quer dizer 50% camelo e 50% urso!
E sentava-se calmamente com um irreprimível ar de gozo e perante a gargalhada geral!
Ainda hoje, uma velho amigo que algumas vezes assistiu à cena, se refere ao tio como: “o teu tio camurso”.
13 Comments:
António
As tuas histórias, têm um carinho, uma ternura como poucas. Vivências reais, momentos de vida, transformas em deliciosos "contos" de tão agradavel leitura.
Um beijo
Recordar é viver, essa história tá na tua cabeça, nós quando crianças registamos tudo eu lembro de ido ver o meu Braga, com as minhas amigas,claro entrava só na ultima meia hora pois era de graça, e de quando em vez vinha um palavrão daqueles de deitar por terra qualquer civilizado eu olhava e procurava a pessoa com os olhos até a localizar, só que por vezes eram tantos os palavrões que eu ficava super envergonhada.bjs
heheeh...um tio muito bem disposto. conseguiste transmitir perfeitamente as circunstãncias e caracterizar as parsonagens. Sei que já foste sócio do FCP...mas que agora já não és...embora continues a ser um "portista ferrenho"...Olha...eu...bem...como dizer isto...é assim...Eu sou mais para o "Vermelho , vermelhão"....entendes? BENFIQUISTA...hehhehheheh.....
já sei, já sei...dei-te um desgosto...até as pedras vão chorar...ai agora é que vão...
Jinho vermelho..BShell
António vai até ao "InApto" que é bem divertido o link está no meu "Fragmentos"
também posso esvrever aqui o link, caramba!!!
http://vbeiras.blogapraai.com.pt
Se não conseguires vai então ao meu "Fragmentos"
E diz-me se gostaste!
Beijinhos
No link a seguir ao ao (.com) não leva o . (ponto)
Despulpa a trapalhada :-))
ah ah! eu contava-te uma da minha terra, verídica... mas envolve a mãe do árbitro, podes imaginar... as mães dos árbitros nunca devem ir ao futebol, pra seu próprio bem !!! :)
António
Foi um pouquinho confuso! mas percebeste :-)
Eu não conheço quem escreve, mas o próprio deixou-me um Post e mais tarde, alguém me fez a mim, o que eu te fiz e fui "ver"
achei interessante, pela forma desprendida. Sabe bem de vez em quando ler a actualidade pelo lado caricato.
Beijos
Sim, na nossa terra também temos umas tipo "ti tone", não sei se a Caiê se lembra da D.Adelaide, mas era uma senhora, mãe dum treinador na altura, levada da breca. Ninguém tinha coragem de se sentar ao lado dela por causa da vozeira e dos puxões. :) Adeptos... :)
Bonita história António!
Um beijinho*
Adorei a magia desta história!
Um abraço e bom fim de semana :-)
So desejar um bom fds, Jinho, BShell
Carinhosa a forma como descreves as tuas lembranças
Abraço
Voltei da semana academica!
Quer dizer, foi académica, mas n participei! Só que n pude vir à net!
Ai...os teus textos...
Também tenho um tio assim!
E o meu cunhado? è mais maluqinho que o teu tio!
:)
:*
Best regards from NY!
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