A tísica
Uma peripécia que ouvi a meu pai várias vezes, passou-se no Porto do final dos anos 30, início dos anos 40.
No tempo em que os rapazes e mesmo alguns cavalheiros, íam para o passeio d´ ”A Brasileira”, mesmo ao fundo da rua de Sá da Bandeira, onde havia uma paragem dos eléctricos.
E os malandrecos estavam lá para conversar? Sim! Mas também à espera que as meninas subissem para o velho transporte citadino e, deste modo poderem ver-lhes o tornozelo. Leram bem! O tornozelo! De facto, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.
Por essa altura, seria o meu pai um adolescente ou pouco mais do que isso, mas trabalhava desde os 9 anos pois a vida fora-lhe madrasta. E como o fazia na baixa portuense, podia também apreciar essas impúdicas exibições.
Mas era também o tempo da tuberculose.
Doença terrível, que já vinha, há muitos anos, dizimando famílias, por vezes inteiras, sem escolher condição social e económica, tal a facilidade de transmissão do bacilo de Cock, sua causa.
Não sei exactamente quando foi descoberto o melhor tratamento e, sobretudo, a vacina contra a epidémica maleita. Penso que por nessa altura já o teria sido. Mas a implementação de um sistema de profilaxia e vacinação não se fazia de um dia para o outro.
E mesmo com o sistema em funcionamento, muita gente continuou a viver com o medo de apanhar uma tísica.
É o caso de um tal senhor Menezes, pessoa de meia idade, sempre vestido a preceito, terno, gravata e o respectivo alfinete, relógio de ouro com corrente guardado no bolso do colete, emblema na lapela, sapato brilhante de graxa bem polida, bigodinho bem aparado, polainas e ceroulas no inverno e o imprescindível chapéu, colocado a preceito, que era ligeiramente levantado da cabeça para cumprimentar alguém conhecido, como complemento de uma vénia, de acordo com as regras da etiqueta.
Pois o nosso Menezes, que constava ser homem de posses e vivendo dos rendimentos, era pessoa bem conhecida e muito cumprimentada.
Mas, não sei se por hipocondria ou não, tinha verdadeiro pavor de contrair tuberculose.
E como lutar contra semelhante praga, quando as pessoas estavam constantemente a estender-lhe a mão para um caloroso aperto?
Ah, Menezes cuidadoso...
Um frasquinho de álcool no bolso do casaco e, após uma bacalhoada, discretamente, uma desinfecção da mãozinha.
Outro aperto de mão, outra desinfecção.
Discreta, muito discreta, pois não podia ser visto, sob pena de tal gesto ser considerado ofensivo para os cumprimentadores.
Claro que muitos o viam, incluindo meu pai.
Mas a realidade é que o cavalheiro lá ía evitando a maldita doença.
Um dia, o meu pai lembrou-se que não via o Menezes à algum tempo. Resolveu perguntar a pessoa do seu conhecimento que era feito do senhor.
- Morreu, coitado!
- Sim? E de quê?
- De tuberculose!
No tempo em que os rapazes e mesmo alguns cavalheiros, íam para o passeio d´ ”A Brasileira”, mesmo ao fundo da rua de Sá da Bandeira, onde havia uma paragem dos eléctricos.
E os malandrecos estavam lá para conversar? Sim! Mas também à espera que as meninas subissem para o velho transporte citadino e, deste modo poderem ver-lhes o tornozelo. Leram bem! O tornozelo! De facto, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.
Por essa altura, seria o meu pai um adolescente ou pouco mais do que isso, mas trabalhava desde os 9 anos pois a vida fora-lhe madrasta. E como o fazia na baixa portuense, podia também apreciar essas impúdicas exibições.
Mas era também o tempo da tuberculose.
Doença terrível, que já vinha, há muitos anos, dizimando famílias, por vezes inteiras, sem escolher condição social e económica, tal a facilidade de transmissão do bacilo de Cock, sua causa.
Não sei exactamente quando foi descoberto o melhor tratamento e, sobretudo, a vacina contra a epidémica maleita. Penso que por nessa altura já o teria sido. Mas a implementação de um sistema de profilaxia e vacinação não se fazia de um dia para o outro.
E mesmo com o sistema em funcionamento, muita gente continuou a viver com o medo de apanhar uma tísica.
É o caso de um tal senhor Menezes, pessoa de meia idade, sempre vestido a preceito, terno, gravata e o respectivo alfinete, relógio de ouro com corrente guardado no bolso do colete, emblema na lapela, sapato brilhante de graxa bem polida, bigodinho bem aparado, polainas e ceroulas no inverno e o imprescindível chapéu, colocado a preceito, que era ligeiramente levantado da cabeça para cumprimentar alguém conhecido, como complemento de uma vénia, de acordo com as regras da etiqueta.
Pois o nosso Menezes, que constava ser homem de posses e vivendo dos rendimentos, era pessoa bem conhecida e muito cumprimentada.
Mas, não sei se por hipocondria ou não, tinha verdadeiro pavor de contrair tuberculose.
E como lutar contra semelhante praga, quando as pessoas estavam constantemente a estender-lhe a mão para um caloroso aperto?
Ah, Menezes cuidadoso...
Um frasquinho de álcool no bolso do casaco e, após uma bacalhoada, discretamente, uma desinfecção da mãozinha.
Outro aperto de mão, outra desinfecção.
Discreta, muito discreta, pois não podia ser visto, sob pena de tal gesto ser considerado ofensivo para os cumprimentadores.
Claro que muitos o viam, incluindo meu pai.
Mas a realidade é que o cavalheiro lá ía evitando a maldita doença.
Um dia, o meu pai lembrou-se que não via o Menezes à algum tempo. Resolveu perguntar a pessoa do seu conhecimento que era feito do senhor.
- Morreu, coitado!
- Sim? E de quê?
- De tuberculose!
24 Comments:
A PRIMEIRINHA!!!
LOL
Pois coitado do Sr. Menezes...tanta coisa, tanto cuidado...e vai de morrer do que ele mais temia...
Ironias do destino....
Beijo, BShell
Bom dia António
Agradeço a sua critica no meu blog e, como poderá verificar, já procedi à alteração do texto. Costumo ser permeável a criticas, quando realmente as considero construtivas, o que acho que foi, neste caso.
Mas a hora tardia a que escrevi e postei (praticamente nem rectifiquei o texto) leva a erros, que não são desculpáveis... mas sinceramente, nunca pensei fazer dum texto pessoal, um bacanal.
Os meus agradecimentos pela sua opinião tão sincera.
Menina_marota
O endereço do Blog saiu errado, agora é que está bem...
;-)
E eu que trabalho mesmo em frente à Brasileira...xiça...vou passar a usar o frasquinho do álcool no bolso...:) (achas que licor beirão tb funciona?)
mais vale viver...
Desfecho PERFEITO!
Jinho com carinhos
BShell
BShell:
Foste a primeirinha porque querias salvar o Menezes, mas chegaste tarde. Já estava a fazer tijolo!
cokas:
Tás muito metafórica!
menina:
Respondo no teu blog
Informaníaca:
Trabalhas em frente à Brasileira?
Agora aquilo é um Mac Donald´s, não é?
maresia:
...do que morrer...eh eh
azul:
Desfecho ÓBVIO...eh eh
Fieste-me lembrar Eça!!...esta sabia,adoro estorinhas ...e do tornoselo?desculpa lá...bem torneado segue-se ao pé e antecede a perna ...diz quem sabe eu só repito!...a rapaziada naquele tempo não era nada desentendida...parece!!
Um beijo
M...eu
Pois é. Coitado, tanto se desinfectou que perdeu as defesas. Beijinhos.
Ó anónima!
Só me estou a lembrar de uma pesoas que escreve estória, assim.
A Dora!
Mas, por outro lado, está assinado:
M...eu
Afinal quem és tu?
Eh eh eh!
Conheço gente assim, cheia de mariquices e depois são os primeiros a cair... ;)
Olha, a PUG deixou-te uma forte provocação (e eu deixei-te outra) lá... Sabemos que é um bem-disposto e sofres connosco a puxar-te pela língua. LOL
Ps- Adorei essa parte do tornozelo. Que tempos! Tinha outro encanto, ahn?
A vida é cheia de coincidencias, ou azares e tambem sorte, acho eu...
Por vezes é nas pessoas que tem mais cuidados que recaiem precisamente os seus maiores medos.
Coitado do Sr Menezes!
Beijinhos!
Ps: brigado pelos comentarios, e o suspense acabou. Não tenho grande faceta de Alfreda:-D
O destino a pregar-lhe a partida.
parece não haver como fugir-lhe.
Outro texto de excelência. Na verdade já ponderaste escrever um livro?
Abraços
Lol!
:)
;)
Ai o que me ri...
SAbes porquê?
Andamos todos a fugir do destino...
Quando vamos todos para o mesmo saco!
Um beijinho...
(eu não disse que ia ficar surpreso?)
Um beijo imenso, BShell
Destino? Estva escrito?
Há como escapar dele?
Uns dizem que não...eu acho que a gente pode escrever nas entrelinhas.
António
Bom... aqui neste caso; Um homem "prevenido" coitado não lhe valeu de nada!
Espero bem que não tomem esta situação como exemplo. Convém de qualquer maneira, ser-se cuidadoso! Não vá o diabo fazer das suas e os tempos de hoje não estão para brincadeiras :-)
Como sempre, gostei da tua história.
Beijocas
olá António
há dias no Ex Improviso, a propósito de talentos, disseste que aos 56 anos ainda não sabias qual era o teu.
Sabes sim!´
És um contador de histórias, ou como se diz em inglês, um storyteller.
é o teu talento e ainda bem que o mostras.
Voltei para um beijinho de bom fim de semana. Ah, eu sabia que era outra coisa: Venha a próxima história se faz favor! :)
Olá, António. Achei teu blog por acaso, procurando características da tísica por conta de um trabalho no teatro que se propõe a estudar o Machado de Assis. Conheces o Machado? Ele escrevia destinos nas entrelinhas, como já comentaram aqui antes de mim. Lembrou-me muito o seu texto. Grande e boa surpresa encontrá-lo. Voltarei mais vezes. Abraço.
André, São Paulo, Brasil.
já tinha lido. bem me parecia... pela data... e deixei comentario naquela altura.
abraço da leonoreta
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