Eu sou louco!

Irreverência, humor, criatividade, non-sense, ousadia, experimentalismo. Mas tudo pode aparecer aqui. E as coisas sérias também. O futuro dirá se valeu a pena...ou melhor seria ter estado quietinho, preso por uma camisa de forças! (este blog está registado sob o nº 7675/2005 na IGAC - Inspecção Geral das Actividades Culturais)

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quarta-feira, junho 01, 2005

Sobrevoando a savana

Em Outubro de 1974 estava em Luanda, alojado na messe dos oficiais da Armada, junto à Base Naval, na Ilha do Cabo.
Tinha regressado de três meses em S. Tomé e Príncipe onde estivera em missão de patrulhamento a bordo do “Rovuma”.
Já vos descrevi alguns aspectos do navio e sua guarnição no meu post “O meu 25 de Abril” publicado nesse mesmo dia deste ano da graça (ou da desgraça) de 2005.
Entretanto, o navio fica em estaleiro para reparações.
Uma bela manhã, recebi uma comunicação do Comando Naval para lá me apresentar.
Ficava na marginal e cheguei rapidamente.
Deram-me instruções para seguir para o Rivungo, durante um mês, substituir o comandante do Destacamento de Marinha do Cuando e assim permitir que ele viesse de férias.
Não gostei da ideia, mas nada mais me restava senão cumpri-la.
O Destacamento ficava no extremo sudeste de Angola, juntinho à Zâmbia, e tinha fama de ser o verdadeiro Cu de Judas, bem mais cu e bem mais Judas que o açoriano, de S. Miguel.
Quem de lá regressava, após dois anos de comissão de serviço, vinha seguramente apanhado da mona. Felizmente eu só ficaria um mês. Aí, a ideia de conhecer o desconhecido, de fazer uma viagem às terras do fim do mundo, começou a aparecer-me com alguns atractivos.
E lá fui!
Alguns dias depois, voei até ao Kuíto (ex-Silva Porto). Não vi nada dessa cidade porque pouco depois apanhei mais um voo comercial até Menongue (ex-Serpa Pinto).
Aí pernoitei no hotel Luiana e ainda tive tempo de apreciar uma pequena mas bonita cidade, com uma calmaria que, se a alguém fosse dito que estava num país em guerra, certamente não acreditaria.
Era, e é, a capital do distrito do Cuando-Cubango ou, na ortografia actual, Kuando-Kubango. Teria de voar para o outro extremo desse distrito.
Para isso, dirigi-me novamente ao aeroporto onde tinha sido reservado um lugar na avioneta que fazia semanalmente a circuito nessa área para transporte de pessoas, pequenas mercadorias, correio, jornais, alimentos, e pouco mais.
Carregando a bagagem, que não era tão pouca como isso, pois sempre tive relutância em separar-me das minhas coisas (ainda hoje sou assim), lá fui ter com o piloto da aeronave. E não esqueci a máquina fotográfica.
Cumpridas as formalidades, entrei para bordo.
Era um minúsculo avião de quatro lugares. Só havia duas pessoas a bordo. O piloto e eu, ocupando os dianteiros. As bagagens ocuparam os de trás.
E começou o ronronar dos motores…
Motores?
Porra! Aquilo só tinha um motor!
Comecei a ficar preocupado. Se o motor avariasse, restava nada, quer dizer, queda a pique.
Bom! Mas manda quem pode e obedece quem deve! Eu bem gostaria de ir numa coisa com pelo menos quatro motores, mas…
Confessei ao senhor algum receio, só algum, para não fazer muito má figura. Disse-me para não me preocupar pois nada iria acontecer. Ainda para mais o tempo estava óptimo.
Fiz que acreditei.
A rota era para sul, numa primeira fase. E pouco depois vi-me a sobrevoar a verdadeira savana africana, território de elefantes, leões, girafas, zebras, gazelas, javalis, eu sei lá…ah…e os crocodilos e hipopótamos nos rios.
Chegados junto da fronteira com a Namíbia (na altura ainda colonizado e chamado de Sudoeste Africano), alteramos o rumo para leste, seguindo o rio Kubango, que corre exactamente nesse sentido e faz o limite fronteiriço.
A certa altura a avioneta começa a descer e aterra aos solavancos na pista de terra batida de Cuangar, pequena povoação onde viviam quasi exclusivamente indígenas.
O piloto deixa umas coisas e carrega outras. Eu apreciava tudo aquilo, completamente novo para mim.
E aqui vai disto! Mais solavancos e avião no ar.
O certo é que o aviãozito parecia funcionar bem. E o piloto sabia do ofício, sem dúvida.
A escala era agora em Calai, e depois de ter estado junto ao solo, pude verificar que toda aquela região era muito plana e geologicamente velha, de solo mole, arenoso mesmo, com uma escassa vegetação rasteira, meio seca, e com árvores de pequeno ou médio porte disseminadas em pequenos grupos. Um tanto como os chaparros no Alentejo, mas com uma velhice e uma secura bem maiores.
Do ar, viam-se alguns troncos, ainda em pé, a arder. Era o resultado da queda de raios pois nesse território eram frequentes as trovoadas.
De repente, vejo uma enorme manada de elefantes. Parecia um formigueiro. Clique…já está! É uma das fotos que ainda guardo.
E começou a descida para Calai.
Repetiu-se a cena.
E mais adiante Dirico.
O aviãozinho rumou então para nordeste em direcção ao meu destino: Rivungo.
Já se avistava o rio Kuando, que corria para sul.
Cheguei são e salvo.
E aí vivi dois (acabei for ficar o dobro do tempo) meses completamente diferentes de tudo o que havia experimentado ou alguma vez viria a vivenciar.
Um dia vos falarei das minhas aventuras como comandante do Destacamento de Marinha do Cuando. Bom…o destacamento eram trezes homens, incluindo eu. E mais uma lancha de desembarque pequena. Mas que grande tropa eu ia comandar!

15 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Ele é mortes, quase mortes, viagens a prometer a morte.
Palpita-me que andas sempre bem agarradinho à vida.

10:25 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Já te disse que as tuas histórias são fantásticas? Não? Atão cá vai: são fantásticas...
Se as tuas histórias, em vez de estarem num blog, estivessesm em forma de Jornalinho, esgotavam!
Bjo, ;)

12:17 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Concordo com o que já aqui foi dito. Tens histórias fabulosas.
Um toque de humor no final. Um destacamento de três homens! - Bolas António, nem uma mulher?
Palpita-me que falta contar essa parte..eheheh
Abraços

5:31 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

13...eu confundi com 3.
Mas mesmo 13...aposto que havia umas morenaças giras por lá!
Conta, conta...

5:32 da tarde  
Blogger Fragmentos Betty Martins said...

António

Também já andei numa desses "coisas" avião é que não lhe chamo! tudo menos isso.

13 homens já é um grande Destacamento!

Enfim... as tuas deliciosas histórias, que tanto gosto de ler.

beijinhos

6:14 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Mas tu és um óptimo contador de histórias, António, explora bem esse teu talento...

Beijinhos

9:26 da tarde  
Blogger BlueShell said...

...e eu senti-me dentro desse aviãozito (porra) só com um motor, a fingir acreditar (como tu) que tudo iria correr bem; vi o solo arenoso, vi os troncos a arder, vi o riozinto, vi a manada de elefantas...e vi-tr todo inclinado a tirar-lhe a fotografia (para que coste e para mostrar um dia aos netos)...vi e senti...porque tu tens um dom escepcional para contar estas tuas histórias....

Muito obrigada pela visita. Beijo ternurento,
BShell

10:09 da tarde  
Blogger BlueShell said...

"Excepcional"...claro...e não aquele erro ortográfico estúpido que dei ali em cima...heheheh
Foi da queda!
AH...já me sento sem ter de gemer. é que o traseiro foi uma das zonas que mais danos sofreu...'tadito..
BShell

10:10 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Oh!...andei dezenas de vezes nestas caixas de fósforos,adoro aviões,estes foram os primeiros em que andei...um tio oficial da FA e que me fazia as vontades...depois...algumas horas de vôo e,outros aviões,melhores,né?!...depois queria eu pilotar e...chega!
Adorei a tua estória e,a tua guerra...obrigada,hoje os teus olhos fizeram-me rever as terras onde fui feliz,nem mais,gostei muito.
beijinho grande.
M

11:22 da tarde  
Blogger Mitsou said...

Maravilha! Sabes, estou a ler-te mas é como se estivéssemos sentados numa varanda daquelas das casas do mato, com um calor desgraçado, mosquitada e tudo, a ouvir-te as aventuras :) Adorei, claro. Beijocas!

11:31 da tarde  
Blogger António said...

Obrigado pelas palavras, ó M!
Quem és tu?

11:36 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Fechei os olhos e quase consegui visualizar alguns "flashes" que narraste. Segui um pouco a linha do "África minha", claro. Desnecessário será dizer que adorei. Um beijo e bom fim de semana :-)

11:19 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Não percebi a conversa do açoriano, amigo... ;) Explica-me!

12:50 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Não conheço esse lugar, António. O mais parecido só se for Rabo de Peixe. eh eh eh! Pelo nome, não por ser longe...

Fala-me das histórias da Marinha, please... É um prazer para mim: o meu avô era da Marinha. ;) Fui criada pelos meus avós.

12:24 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Por favor será que alguém me pode arranjar uma fotografia de um antigo frigorífico a petróleo?
Agraceço,pois já percorri a internet toda !!!!!!! e não encontrei e gostava de poder mostrar a umas pessoas para que acreditem que já existiram.Obrigado
José Pinto

carianopinto@netcabo.pt

10:49 da tarde  

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