Eu sou louco!

Irreverência, humor, criatividade, non-sense, ousadia, experimentalismo. Mas tudo pode aparecer aqui. E as coisas sérias também. O futuro dirá se valeu a pena...ou melhor seria ter estado quietinho, preso por uma camisa de forças! (este blog está registado sob o nº 7675/2005 na IGAC - Inspecção Geral das Actividades Culturais)

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domingo, abril 16, 2006

Diálogos de gente (VII) (O corno)

Sábado à tarde.
O cinquentão Augusto Simões, profissional dedicado e sempre atarefado, sabendo que a sua mulher Maria de Fátima tinha um compromisso no exterior com umas amigas, chamara a sua casa e esperava a chegada do seu irmão mais novo.
Serafim tinha menos dez anos que o mais velho.
A mulher tinha menos quinze anos. Ainda não fizera quarenta.
Quando o mano chegou, Augusto, muito circunspecto, disse-lhe:
- Oh Serafim! Preciso de alguém para desabafar.
- Sou todo ouvidos! – incitou o outro.
- Sabes que gosto muito da Fati, mas descobri que ela me trai.
Fez uma pausa. O irmão fitou-o fixamente e com o rosto fechado, mas não disse nada.
Por fim, continuou:
- Eu já há uns tempos que andava desconfiado. Todas, ou quasi todas as tardes de quarta-feira me dizia que ía até à baixa ver se havia alguma coisa interessante para comprar e encontrar-se com umas amigas. E aos sábados a mesma coisa. Mas, neste dia, algumas vezes eu acompanhava-a. Até que resolvi segui-la na última quarta.
- Oh pá! – exclamou o outro.
- Deixa-me acabar! – pediu o Augusto – Vi-a entrar para uma hospedaria. Passado pouco tempo entrou um tipo cuja cara me era familiar. Um colega dela, lá na escola. Ao fim de quasi duas horas, ela saiu e pouco depois ele fez o mesmo. Cada um seguiu o seu caminho e ela regressou a casa.
- Desculpa-me interromper-te! – disse o Serafim – Mas porque desconfiaste?
- Sabes que ultimamente a tenho procurado pouco! – disse o Gusto – Ando com muito trabalho, os anos vão pesando e quando chegam as onze ou onze e meia vou para a cama e adormeço como uma pedra. Dantes, ela ainda me espicaçava e eu correspondia algumas vezes. Outras, dizia que queria dormir e descansar. Actualmente, nem eu nem ela. Não temos relações há algum tempo.
- Estou espantado! E agora? – perguntou o irmão.
- Agora? – e fez uma pausa, de cabeça baixa, o Augusto – Eu gosto muito da Fati. Ainda não sei bem o que fazer. Digo-lhe o que sei ou não? Provavelmente não digo nada e vou tentar reatar uma actividade sexual mais frequente. Para isso preciso de trabalhar menos e descansar um pouco mais. Ela é nova e ainda com muito sangue na guelra. Pensei dizer-lhe tudo, mas o mais certo é perdê-la para sempre. Pode ser que, não falando em nada, a reconquiste. Vou pedir umas férias e propor-lhe fazer uma viagem interessante, ao estrangeiro. Tentar que ela se afaste dele. E às quartas à tarde vou pedir uma dispensa, de vez em quando, para a acompanhar.
- Sabes se ele é casado? – quis saber o mano mais novo.
- Penso que sim. Pelo menos era!
- Podias contactar a mulher dele e contar-lhe. Assim seriam dois a ajudar ao fim da relação – sugeriu o Serafim.
- É uma ideia. Nem me tinha lembrado disso – retorquiu o enganado.
E continuou:
- Vou pensar melhor nessa hipótese, mas primeiro vou tentar o que te disse. Que achas?
- Se não lhe queres dizer nada é porque não estás interessado na separação. Portanto, e considerando que queres salvar o casamento, acho que a tua ideia parece ser boa. Mas não sei se o que há entre eles é meramente carnal ou é mais do que isso. Se ele for casado e também não quiser acabar com o casamento, talvez resulte. Embora a ajuda da mulher dele pudesse ser preciosa – alvitrou o Serafim.
- O pior é se ela resolve querer separar-se dele; assim fica o caminho aberto para a Fati e o gajo – lembrou o marido.
- Tens razão! Sabes que é muito difícil dar conselhos em situações destas, especialmente quando não se conhece um conjunto de detalhes. Não sei bem o que te diga! – confessou o irmão.
- Eu compreendo-te! Mas quis dizer-te isto para desabafar e para que tu soubesses. Pode ser que possas ajudar. Se não for hoje, noutras ocasiões – disse o Augusto – Sabes que já me sinto mais desanuviado?
- Eu gosto muito de ti, mano. Na medida das minhas possibilidades, tentarei ajudar-te a reconquistar a tua mulher e a afastar o outro.
Com os olhos brilhantes, Augusto levantou-se e foi dar um beijo ao irmão.
- Eu sei que posso contar contigo. Mas o papel principal tem de ser meu.

Conversaram ainda algum tempo sobre este e outros assuntos.
Por fim, o mais novo despediu-se e saiu.
E foi pensando consigo mesmo:
- Então o meu irmão é corno! E corno manso! Mas isso é o que mais há! Como se costuma dizer: um homem sem cornos é como um jardim sem flores. Oxalá consiga atingir o objectivo de reconquistar a mulher. Ele gosta mesmo dela. Mas duvido que ela o mereça!

27 Comments:

Blogger wind said...

Começo hoje pelo fim. A frase do irmão mais novo é tipicamente a frase do homem machão latino português.
Agora a história:
Acho que o traído está a raciocinar bem, pois gosta da mulher. Não está a ser corno manso, mas sim a tentar salvar o casamento. Conheço muitos casos destes, tanto em homens comoem mulheres,e passado um tempo voltam para os respectivos maridos/mulheres. Descreveste muito bem uma situação que acontece e onde o amor d um sobre o outro se sobrepõe ao orgulho e dá lugar à tentativa de melhorar a situação do casamento. beijos

3:42 da tarde  
Blogger Nuno Furtado said...

tantos os há assim.
pode ser a juventude a falar, mas mulher comigo é só minha. Se quer estar comigo não pode estar com outro, se quer estar com outro que tenha maturidade para me dizer

4:58 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Mais uma história da vida real. Os sentimentos e a sua complexidade, os tabus e os direitos e deveres instituídos. A verdade e a sua negação entre as relações que se querem abertas e honestas, enfim....um mundo!
Parabéns!
Beijinhos

5:53 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Gostei desta história de vida. Tão real!
Porém, Augusto é um homem de bem! Gosta realmente da mulher!
Tenta com calma, raciocínio e ponderação, salvar o seu casamento!
Demonstra que efectivamente ama a sua companheira!
Não se podendo dizer o mesmo de Fátima!!!
De onde terá vindo a expressão “é corno”? Francamente nunca percebi!

Uma boa história. Sempre bem contada!
Apesar da frustração do pobre Augusto, esta “história de vida” devia ser lida não só por mulheres, mas também por homens. É uma Lição de Vida!

Parabéns!

Bjs,

GR

5:57 da tarde  
Blogger António said...

Para "GR":
Obrigado pelo comentário.
Nele, houve uma coisa que me chamou a atenção: porque se chama aos homens traídos pelas respectivas esposas de "corno".
Não sei...mas gostaria de saber!
Pode ser que algum leitor que veja isto o saiba.

Beijinhos

7:37 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

António,
Segundo a Vikipédia:
"É um personagem vítima de muitas anedotas, nas quais normalmente se dá mal ou comete um crime. O corno também pode ser manso, raivoso etc. O nome teria surgido de uma lenda na qual a cabeça do traído começa a doer na região da testa, e que, ao melhor estilo do realismo fantástico, surgiriam cornos que cresceriam na sua fronte".
Beijinhos

7:56 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

O eterno problema, não é.......? Casamento, acorrentamento!Dado a dquirido, uhmmmm..........? e já não é preciso fazer mais nada,,,,,! Até que.......até que....!!!!!!!!!!! Se anda no fio da navalha.
Acho que neste caso, a navalha cortou mesmo.....
Quem não cuida do jardim, deixa-o morrer.. e isso vale para os dois lados.
Bem retratado, my friend, mas:
E lá vai mais um, António......!
Tschhhhhhhhhhhhh

10:12 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Reconquista?Então isso não foi há milhares de anos?eh!eh!
Olá António,então mais uma historinha e eu não vou comentar... é que eu não sei!Não acreditas?Não sei porquê!
Eu acho que sim,se ele gosta,à vontade!Modernices,muito giro,e ele deve ter uma cardiopatia,com um cadinho de jeito ainda fica amigo do outro e pronto,isto vai!
Ó António,eu sou mais do amigo não empata amigo,é certo que também mais dia menos dia me esperará a osteoporose mas pronto,não gosto ,chateia-me,é-me indiferente a marca,nem discuto a localização,dispenso,passo,vai e já está!,estava a falar dos ornamentos,não tenho alma para isso!
Estarás tu a pensar que peste!
Olha que não,o único triângulo que conheço é o das bermudas e já não é o primeiro que lá desaparece,ora eu não quero isso....
Bem falando a sério,tu és um espanto a escrever e a pensar, uma pessoa daquelas que deve dar um gozo enorme um serão de conversa,com uma belas gargalhadas e gosto de gente assim.
Mais "num digo".
Beijinhos
margarida

11:36 da tarde  
Blogger António said...

Para "Avalon":
Obrigado pelo teu comentário, A.
Volta sempre que gosto de te ver por aqui.

Beijinhos

12:39 da manhã  
Blogger António said...

Para "margarida":
Obrigado por teres cá vindo e por teres escrito um comentário tão giro.
Só não sei que "margarida" és!
(para além de seres uma flor...eh eh)

Beijinhos

12:42 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Afinal vale a pena perguntar, aprende-se sempre!
Agradeço à TB, a explicação!

Um bj,

GR

1:35 da manhã  
Blogger Caiê said...

Primeiro, o senhor nem sabe se foi "traído", ele supõe que foi. Que ia fazer? Atirar à cara da mulher uma data de suposições? E mais dizer que a tinha seguido, movido por ciúmes e desconfiança?
Eu, no lugar dele, também não diria nada.
Além de que ele próprio reconehec que a relação está má. De modo que, a quererem ficar juntos, terão de dar-lhe (à relação) uma volta.
Mais tarde, poderá perguntar-lhe, se sentir necessidade disso. Eu, pessoalmente, nunca perguntaria. Ask me no questions, I will tell you no lies. ;)Que interessa isso, afinal?

4:47 da manhã  
Blogger © Piedade Araújo Sol (Pity) said...

...Mas isto continua???

8:34 da manhã  
Blogger Maria Carvalho said...

Um belo diálogo, como nos tens acostumado! Hoje não comento. Beijos.

8:59 da manhã  
Blogger Su said...

ops não gostei da ultima parte que refere o q pensa o irmão, tão amigo, tão bom conselheiro e depois tem pensamentos desses....que é isso?

gostei da história, como está contada, mas no real seria melhor para ele falar/conversar com a mulher do que entrar em esquemas de perseguições, de se achar menor etc e tal....enfim atitudes, opções

vidas mal resolvidas por falta de diálogo e de atitude

jocas maradas

1:15 da tarde  
Blogger Papoila said...

Olá António, a história está muito bem contada, mas quanto à polémica, olha que salvar casamentos depois das traições só mesmo na ficção, ou por outros interesses como a bem aventurança do "status quo"(quer para um lado, quer para o outro!)... Beijo

2:56 da tarde  
Blogger lena said...

um novo diálogo, onde a realidade se mistura

a complexidade esta presente, o amor, a solidão...

uma tentativa para salvar um casamento, onde o Augusto se acha também culpado, pelo que aconteceu

dificil de comentar, está em cada um a decisão e que ela seja sempre a mais acertada

virei ler-te sempre que conseguir,

continua com os teus diálogos "reias" vou ter saudades da tua excelente escrita, sempre tão envolvente

deixo-te um beijo meu amigo

lena

5:43 da tarde  
Blogger Leonor said...

em primeiro lugar (desculpa la eu estes dias andar um bocado refilona) andas a escrever muito rapido. das pouco tempo entre uma publicação e outra. vejo-me aflita para ter a escrita em dia.

depois os casos reais continuam fabulosos.
situaçoes chatas as de separaçao. partilhas... afectos divididos... sabes que a divisao e a subtracação é um caso serio nos putos...? mesmo com as teorias de piaget...

abraço da leonoreta

7:20 da tarde  
Blogger pinky said...

pois....para primeira abordagem, e se ele a quer manter, a direcção será na reconquista, pelo que posso avaliar, uma mulher casada, no geral, só procura outro homem qd não se sente amada e desejada.´.....digo eu....

12:15 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Bom dia António,

Só por um indicio, já se crucifica a Maria de Fátima! rsss

A insegurança sentida pelo Augusto, que tem a consciencia do seu fraco desempenho, poderá levar a "leitura" menos correcta do comportamento da sua Fati, numa situação bem descrita nos livros, de auto-realização de profecias.

Mas, a ser verdade que a Fati anda a compensar-se por fora... a atitude do Augusto é razoavel no sentido em que quer segurar a relação.

Esta problematica é sempre complicada porque mexe com os sentimentos mais frageis das pessoas. A auto-estima é posta completamente de rastos.

Este é mais um dos teus diálogos bem apanhados.

Beijinhos
Ana Joana

9:55 da manhã  
Blogger António said...

Para "ana joana":
Obrigado pelo teu comentário.
Com estes diálogos curtos pretendo caracterizar personagens e comportamentos e deixar os leitores livres para falarem no assunto.
Tu costumas fazê-lo...e bem!

Beijinhos

11:42 da manhã  
Blogger SFeneacoach said...

Outra história interessante. O diálogo entre irmãos, franco e aberto. A traição...a reacção... demasiada calma e sangue frio! Diria eu! ;) beijinhos.

6:15 da tarde  
Blogger Heloisa B.P said...

CARO ANTONIO*,
QUE TENHA VIVIDO UMA EXCELENTE PASCOA, EM SAUDE E HARMONIA,E' MEU DESEJO SINCERO!
Queira desculpar, a escassez de palavras!
LI E VOU CONTINUAR A LER!
_FIQUE EM PAZ E, COM ESSSA SUA *VEIA*, EM CRESCENDO!

Heloisa.
**********

7:44 da tarde  
Blogger Diolindinha said...

Bom dia meu vizinho!

Tenho estado a pensar no assunto e acho que seria mais sensato que falasse primeiro com a mulher para saber o que realmente se passa. De contrário corre o risco de ir arranjar problemas à outra sem necessidade.
Dê um giro por cá!

Abraço da Diólinda

11:58 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Olha eu acho que esse Augusto Simões é um indivíduo que gosta muito da mulher, mas estou de acordo com a nossa vizinha. Quantos estarão dispostos a perdoar? Creio que, infelizmente, esse papel ainda cabe à mulher nos dias de hoje. Homem é homem, ainda oiço dizer por aí...
Bjs.

12:05 da tarde  
Blogger Leonor C.. said...

António

O comentário anterior é meu. Enganei-me e tentei eliminar mas não consegui. Desculpa lá.

Leonor

12:10 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Keep up the good work
» »

4:51 da manhã  

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