Eu sou louco!

Irreverência, humor, criatividade, non-sense, ousadia, experimentalismo. Mas tudo pode aparecer aqui. E as coisas sérias também. O futuro dirá se valeu a pena...ou melhor seria ter estado quietinho, preso por uma camisa de forças! (este blog está registado sob o nº 7675/2005 na IGAC - Inspecção Geral das Actividades Culturais)

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segunda-feira, outubro 23, 2006

Uma família burguesa - parte VII

No dia seguinte à hora do lanche, Bárbara, como de costume, deslocou-se a pé até um café próximo para comer e beber qualquer coisa mas, sobretudo, para desanuviar do ambiente do infantário. Desta vez fê-lo sozinha porque um pequeno problema a reteve e impediu de ir com outras duas educadoras como era habitual.
Sentou-se numa mesa e pediu um galão e meia torrada.
De repente viu entrar o sócio do seu marido, o Mário Jorge, que não costumava aparecer naquele local. Ele também reparou logo nela, pois o seu ar de nórdica chamava sempre a atenção, e dirigiu-se à mesa da loira.
- Olá, Bárbara! – disse.
- Olá, Mário! Não é normal ver-te por aqui – disse ela.
- Pois não! Mas estava perto e vim tomar um café.
E virando-se para uma empregada:
- Um café, por favor!
Olhou para a Bárbara e disse:
- Tu estás com um óptimo aspecto. É raro ver-te. Estás sempre metida no infantário?
Mário Jorge Gomes tinha trinta e quatro anos, era muito alto e um pouco magro, usava o cabelo liso e preto bastante comprido, tinha uma tez clara, os olhos muito escuros e uma voz cava. Uma verdadeira estampa, consideravam as mulheres.
Solteiro, mudava de namorada como quem muda de camisa.
- No infantário e em casa. – respondeu ela – Mas também raramente te vejo.
E ele, em surdina:
- Prefiro que não me vejas e não te ver. Afinal és mulher do meu amigo Ricardo e não quero ser um elemento desestabilizador do casal.
E ela respondeu também muito baixinho, depois de se certificar de que ninguém poderia ouvir ou desconfiar de qualquer coisa, por mais ínfima que fosse:
- Já tenho muita mais maturidade do que nos outros tempos. Não há qualquer problema em conversarmos de vez em quando – como que convidou ela.
- Acredito! Mas deixa estar as coisas como estão! – respondeu ele, obviamente procurando evitar o regresso a uma situação do passado.
Bárbara percebeu e perguntou:
- Tu continuas solteiro, não é verdade? Mas já tens idade para assentares. Deves ter...trinta e quatro! – adivinhou a loira.
- Exactamente! Mais um ano do que tu – disse ele.
E continuou:
- Quando vais lá à empresa ver as novidades? Já temos mais dois funcionários!
- E eu não haveria de saber? Vou lá poucas vezes, confesso, mas algumas; só que tu andas muitas vezes por fora e não me costumas ver – explicou a jovem mamã.
- Sim! Saio mais do que o teu marido. – e, mudando de assunto – Ah...o teu filho está fixe, eu sei. O Ricardo farta-se de falar nele – disse o informático.
- É verdade, Mário! Felizmente está um miúdo cem por cento.
Mas concluiu:
- Bom! Vou andando! Tu continuas um borracho... – provocou ela, entre lábios.
Ele também se levantou, pagou e despediram-se na porta com dois beijos.
Mário Jorge entrou no seu Honda Civic enquanto ela caminhou a pé, em direcção ao local de trabalho, sob o olhar perscrutante do homem.

Joana e o marido, Manuel António Félix acabaram de entrar em casa dos Costa Lima onde foram jantar.
Desceram todos para a sala de estar da cave pois, embora o Verão tivesse terminado, ainda era aí que a temperatura estava mais confortável.
Lena e a filha mais nova foram até à cozinha dar uma ajuda à Dina e mantiveram-se conversando. Como professoras que são, o tema favorito era o ensino, mas intermeado de um pouco de culinária.
Desta vez a empregada Fátima não ficou para ajudar.
Passados alguns minutos desceram e encontram Manuel António, António José, Cláudia e Ana Maria a conversar animadamente. A idosa Maria da Conceição ainda estava no seu quarto onde dormiu um pouco e só desceria quando fosse tempo de se sentar à mesa.
- Cláudia! Vou ver a Vó. Queres vir? – perguntou a morena Joana.
- Está bem! E já a podemos trazer para baixo – anuiu a jovem adolescente.
- Nós vimos já! – avisou a Joana.
E subiram para o piso mais elevado.
- Um dos grandes problemas das casas com escadas é o obstáculo que constitui para os idosos. E já nem falo em deficientes – disse Lena, procurando desviar o futebol de tema da conversa.
Sogro e genro são dois portistas muito aferroados e não prescindem de falar sobre o Porto, o Pinto da Costa, os árbitros, e tudo aquilo que faz parte desse espectáculo ímpar para uns e execrável para outros.
Ana Maria escutava-os com atenção e também ía dando o seu parecer, embora não estivesse tão bem documentada como os dois homens.
Lena desistiu de falar e permaneceu observando os outros.
Reparou essencialmente em Ana Maria. Como estava diferente de há poucas noites atrás quando tinham sido Ricardo e Bárbara os visitantes! Mais alegre, atenta, interventiva e apoiava quasi sempre as teses do cunhado.
Passado algum tempo desceu a Cláudia.
- A Vó já está sentada na mesa e a Joana a falar com ela.
- Eu vou ver se o jantar está pronto – disse Maria Helena, levantando-se.
Poucos minutos depois assomou às escadas e chamou:
- Podem lavar as mãozinhas e vir para a mesa. O jantar vai ser servido.
E desapareceu de novo.
A refeição decorreu animadamente e todos participaram nas várias conversas que às vezes se cruzavam e obrigavam o anfitrião a pedir um pouco de ordem.
As senhoras e Cláudia íam ajudando a dedicada Dina para lhe aliviar a carga, embora mais duas pessoas do que o normal não fosse um acréscimo de trabalho por aí além. Mas uma ajudinha sabia sempre bem.
A Avó São, obviamente, estava muito sentada no seu lugar e Ana Maria não deixava de ouvir atentamente o que dizia o professor de Filosofia na Universidade do Porto. E intervinha sempre que lhe parecia oportuno.
Já passavas das onze quando a Joana disse:
- Vamos embora porque amanhã é dia de trabalho!
E levantou-se.
- Espera mais um bocadinho – disse Ana Maria.
- Realmente a Joana tem razão. Ainda temos de ir para Leça e amanhã eu tenho de me levantar cedo – concordou o marido.
- Para a próxima venham jantar a uma sexta ou um sábado – disse, contristada, a Ana Maria.
Terminadas as despedidas e já sem os dois convidados em casa, Lena dirigiu-se à filha:
- Tu hoje estavas bem animada. Gosto de te ver assim.
- O Manel é uma pessoa que me dá gosto ouvir falar e também adoro conversar com ele.
Fez uma pausa e disse:
- Oh mãe? Não achou que havia muita frieza entre ele e a Joana?
- Bom! Eles não vieram cá para falar um com o outro, não é?
- Claro! Mas eu acho que havia! E, se calhar, é por causa de a Joana não poder ter filhos – atirou a filha.
- Não me pareceu que houvesse qualquer problema entre eles – insistiu a mãe.
- Eu não falei em problema, falei em frieza, distanciamento...mas isso de ser estéril pode muito bem ser uma causa de mal-estar dentro de um casal – defendeu Ana Maria a sua tese.
- Olha! Eu um dia destes telefono à Joana para ver se descubro alguma coisa de anormal. Agora vou dar uma ajuda à Dina – prometeu a Lena para acabar com o assunto.
Mas ficou a pensar:
- Talvez tenha razão; o casamento é capaz de estar a atravessar uma crise. Mas esta Ana Maria está a demonstrar demasiado interesse pelo Manel. Não gosto disto!

31 Comments:

Anonymous Anónimo said...

António,

Gosto deste jogo de palavras, olhares pensamentos, antigas cumplicidades, nestes encontros inesperados ou jantares em família!
Há sempre desvio de conversa quando se fala, da empresa e respectivos funcionários! Aconteceu com o sogro de Bárbara, agora com Mário Jorge!!!
Será que Ana Maria está a ver coisas que não existem, porém gostava que se concretizassem?
Isto está a aquecer!!!

A primeira a comentar!!!
Bjs,

GR

4:45 da tarde  
Blogger António said...

Para "gr":
Olá Guida!
Obrigado pelo comentário.
Estes episódios de transição em que parece que nada se passa, vão levantando dúvidas e questões ao leitor.
É isso que eu quero que aconteça.
Além de permitir caracterizar melhor algumas personagens.

Beijinhos

6:26 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

E pronto, lá vim eu tomar conheciemnto com esta família e tentar conhecer um pouco mais de cada uma das personagens.
Sempre primorosa forma de dialogar e nos conduzir pela história de cada um.
Beijinhos

7:13 da tarde  
Blogger magarça said...

Olá António! Confesso que às vezes me sinto um pouco perdida, entre tanto personagem. Mas também cada vez mais curiosa em saber no que é que isto tudo vai dar. bjs

7:22 da tarde  
Blogger Fragmentos Betty Martins said...

Cá estou eu :))

Pois é! Consegues envolver os teus leitores nas personagens que crias, ao longo da história que vais contando.

É um "jogo" fantástico porque tudo se "une"

Parabéns pela tua mestria, que não se focaliza num só sentido.

Beijinhos

7:30 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Olá António!

Boa preparação de terreno para que tudo possa acontecer! Muitas pontas deixadas soltas à espera de virem a integrar novas meadas, novas enleadas, novos nós e laçadas rssssss.

Gostei

Beijinhos
Ana Joana

8:18 da tarde  
Blogger António said...

Para "ana joana":
Olá!
Gostaste?
Também eu...do teu comentário!
(afinal postei um dia mais cedo do que o previsto)
Já tenho 17 partes escritas e ontem delineei o resto da (blogo)novela.

Beijinhos

9:33 da tarde  
Blogger António said...

Para "sonamaia":
Olá!
Bem vinda aos "comments"!
Já te induzi em coisas que não sabes se se vão ou não concretizar...ah ah ah.
Era isso mesmo que eu cria...ah ah ah.
Volta sempre!

Beijinhos

10:49 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

António...
Como já é muito tarde, imprimi para ler depois... amanhã comento! Beijinhos

12:11 da manhã  
Blogger Caiê said...

Tu sabes muito... eh eh eh! E adivinha-se aí um passadozinho entre a loirinha e o "borracho" (coisas mal resolvidas vêm sempre ao de cima!).
Quanto ao outro ponto: a esterilidade pode ou não ser um factor desestabilizador num casal - depende de em que ponto da relação se conhece o facto, de quão importante é para os indivíduos terem filhos (o que vai condicionar a reacção a esta), e da própria relação do casal. De resto, a adopção +e sempre uma opção válida!
Olha o que já divaguei para te fazer rabiar... ;)

2:34 da manhã  
Blogger Maria Carvalho said...

A tua maneira de escrever, claro que nos vai aguçando o apetite para continuar a ler, muitas hipóteses em aberto, como o objectivo é esse, estás a ser bem sucedido, pelos comentários que vou lendo. Candidato ao Nobel??!! Sob um temporal de beijos.

9:19 da manhã  
Blogger António said...

Até amanhã, Becas!
Beijos

9:36 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Neste enredo há cada vez mais pontas...que perigosamente já começam-se a aproximar. Hum hum...sim senhor!

Vou aguardar prá ver:):):)

beijos

1:41 da tarde  
Blogger António said...

Para "fatyly":
Obrigado pela presença.
É como dizes: é preciso aguardar.

Beijinhos

4:53 da tarde  
Blogger Peter said...

Lá vou seguindo o "blogromance". Tive de voltar atrás para ver quem era o Manel.
Não podes fazer um esquema?

5:19 da tarde  
Blogger wind said...

Interessante o diálogo no café entre os ex namorados e a Cunhada está de facto muito interessada no cunhado. As mães nunca se enganam. eheheh
Bem escrito aos pormenor, tanto fisica como espacialmente:)
Aguardo desenvolvimento;)
beijos

6:12 da tarde  
Blogger BlueShell said...

EStou memso...

Só posso agradecer com uma lágrima, sem cor, a tua visita e as tuas palavras.
Mais do que nunca o meu Muito Obrigada!
BShell

8:54 da tarde  
Blogger Papoila said...

Olá António:
A trama está a adensar-se e gosto do modo como cruzas as personagens. O encontro da Bárbara com o Mário Rui foi particularmente bem sucedido pelos subentendidos... e parece que a Ana Maria tem um enorme fraquinho pelo cunhado...
Claro que vou continuar a ler...
Beijo

9:33 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Que dizer mais??? Cada capítulo é uma surpresa!... mas o que tu queres realmente, António, é depertar em cada leitor, os pensamentos mais perversos... mas, espero também, que não haja tanta promiscuidade nessa família, ao ponto de haver envolvimentos com cunhados!!! Ou será que a história fica mais interessante se houver? Tu é que escreves, é que sabes... e escreves tão bem que fico empolgada a ler!
Parabéns!
Beijinhos

9:34 da tarde  
Blogger António said...

Olá, querida Becas!
Achas mesmo que eu quero despertar os sentimentos mais perversos nos leitores?
Achas mesmo que um envolvimento entre cunhados é promíscuo?
Então que dirás d'"Os Maias" ou d'"A tragédia da Rua das Flores" de um tipo chamado Eça de Queirós?
E o monstro corruptor de almas retira-se...ah ah ah

Beijinhos

10:14 da manhã  
Blogger Titá said...

Genial!!!
Continua por favor.

10:17 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Acho... O facto de existirem na obra do Eça, não faz com que situações dessas deixem de ser promíscuas...
Mas os bons autores recorrem-se delas para criar obras fantásticas... como Eça e tu! Só que tu queres o Nobel!Eheheh
Beijinhos




Achas mesmo que um envolvimento entre cunhados é promíscuo?
Então que dirás d'"Os Maias" ou d'"A tragédia da Rua das Flores" de um tipo chamado Eça de Queirós?
E o monstro corruptor de almas retira-se...ah ah ah

Beijinhos

11:57 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Ops... tinha copiado a tua resposta para aqui para te responder... e ficou colada em baixo!!! Dá para tirar? Estou sempre a fazer borrada e a corrigir de seguida!!! Desculpa...

11:59 da tarde  
Blogger António said...

Para "becas":
Querida amiguinha!
Fizeste bem o "copy" mas mal o "paste"...eh eh.
Não te amofines que não vale a pena.

Quanto aos teus critérios de promiscuidade ainda tenho umas coisinhas a dizer:
Minha querida!
Nas obras do Eça que referi, há incesto, quer entre irmãos quer entre mãe e filho.
O incesto implica uma relação consanguínea muito próxima entre os relacionados, é punível por lei e, como sabes, o casamento (e basta falar no civil, nem é preciso entrar aqui com as questões religiosas) não é permitido entre pais e filhos ou entre irmãos.
Uma relação entre cunhados não é de consanguinidade.
Qualquer de nós pode legalmente casar com um cunhado (desde que se divorcie previamente senão vai pró chilindró por bigamia) o que atesta a sua aceitação legal e portanto a sua não promiscuídade.
E quantas vezes isso não acontece?
Minha querida!
Não metas tudo no mesmo saco, ok?

Beijinhos, sempre

8:31 da manhã  
Blogger SFeneacoach said...

Querido amigo António, tem sido impossível acompanhar esta sua história...vim só dizer: presente! beijinhos

2:17 da tarde  
Blogger Lmatta said...

olá
estou a gostar
beijos

7:01 da tarde  
Blogger Rosa Silvestre said...

Olá, António estou a gostar!
A Ana Maria já está "pondo as maõzinhas de fora" ou é impressão minha?

8:14 da tarde  
Blogger Leonor said...

ola antonio.

á medida que a acção avança as coisas complicam-se.
todavia, ainda estás nas apresentações.
do desafio ao destino e a paga por isso, desafiar o destino, que na tragedia grega é o pathos já se nota qualquer coisa... e daí ao conhecimento e á catastrofe é um passo.
Nevertheless, rsss, dizes que tens mais 17 episodios escritos.
começo a ficar com medo de me perder nas personagens.

exijo uma arvore genealogica...

abraço da leonoreta

8:34 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

António,
Claro que o saco não é o mesmo... Peço tréguas!!!
Venha daí outro capítulo, esperado ansiosamente por todos!
Beijos

10:05 da tarde  
Blogger António said...

Para "becas":
Amanhã há mais...

Beijinhos

10:19 da tarde  
Blogger Amita said...

Olá António
Não me recordo exactamente o que comentei sobre esta parte e que o blogger fez o favor de apagar. Sei que se relacionava com a infertilidade que é sempre colocada no feminino. Foi uma mera lembrança de que, na actualidade e devido ao avanço da Ciência, a infertilidade também pode ser masculina, sendo na maioria dos casos provocada pelos excessos cometidos desde o despontar da juventude. Com isto queria dizer que mais um tabu se desfez e que infelizmente a juventude não se interessa em preparar um futuro e limita-se a "engolir" com sofreguidão o que o presente lhe oferece.
Um bjinho grande e até já

1:02 da tarde  

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