Eu sou louco!

Irreverência, humor, criatividade, non-sense, ousadia, experimentalismo. Mas tudo pode aparecer aqui. E as coisas sérias também. O futuro dirá se valeu a pena...ou melhor seria ter estado quietinho, preso por uma camisa de forças! (este blog está registado sob o nº 7675/2005 na IGAC - Inspecção Geral das Actividades Culturais)

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terça-feira, agosto 22, 2006

Diálogos de gente (XVI) (O sovina)

Isaac Woźniak é um judeu polaco, comerciante com três lojas de pronto-a-vestir e pertencente à classe média alta.
É filho único do falecido Jacob Woźniak que se refugiou em Portugal logo no início da II Grande Guerra com a mulher Sara e o menino, sendo o fundador do primeiro dos estabelecimentos comerciais, na altura uma casa de fazendas.
Isaac era então pouco mais que um bebé e agora tem quasi setenta anos. Casou com uma judia austríaca, Raquel, cujos pais também eram refugiados. Mas a mulher nasceu já em terras lusitanas.
Tem três filhos rapazes e cada um gere uma das lojas.
O homem costuma estar mais tempo nesta, onde decorre a acção, mas vai às outras pelo menos uma vez por semana.
- Bom dia, Isaac!
Ao ouvir a voz reconheceu-a imediatamente.
Levantou a cabeça do livro em que escrevia e olhou para o seu amigo Jaime Furtado.
- Olá, Jaiminho! – ripostou.
O diminutivo vinha dos tempos do liceu onde haviam sido colegas de turma e resultava de o recém-chegado ser um tipo baixo e franzino, em contraponto com o homenzarrão que era o comerciante.
E continuou:
- Já não aparecias por cá faz uns tempos! Estás sempre na mesma! Se engordasses com a idade, como seria normal, davas-me muito mais dinheiro a ganhar comprando nova roupa mais larga. E sorriu.
- Tu tens é inveja de não ter a minha elegância! – respondeu o Furtado, sorrindo também. Deram um aperto de mão.
- Elegância? Magreza, diz! Só há uma coisa que te invejo: poupas muito dinheiro em comida e em roupa – discordou o judeu.
- Oh homem! Tu só pensas em poupar nos gastos e em ganhar mais. Qualquer dia bates a bota e a tua fortuna fica cá – criticou o Jaime.
- Fortuna? Tenho alguma coisa, lá isso é verdade, mas é graças ao meu feitio economizador – explicou o Isaac.
- Economizador? Tu és um somítico. Um sovina. Um avarento – disse, rindo, o magricela.
E prosseguiu o ataque:
- Ainda me lembro que me dizias muitas vezes: “Este ano tive não sei quantos contos de prejuízo”. Eu ficava sempre intrigado porque via os teus negócios a prosperarem, tu a fazeres investimentos, a construíres uma bela casa. Até que descobri que afinal não tinhas prejuízo mas, tão somente consideravas que se o lucro de um ano era inferior em x ao do ano anterior, dizias que tinhas tido um prejuízo de x. És mesmo judeu!
Riram-se os dois.
- Como está a tua família de pobrezinhos? – quis saber o visitante.
- Tudo bem! Só a minha Raquel é que continua com os problemas nos ossos. O meu filho Moisés está ali ao fundo e os outros estão nas lojas que gerem, como sabes.
E a tua de ricos?
- Está tudo dentro da normalidade, obrigado – respondeu o Jaime.
- E então o que te traz por cá?
- Quero comprar duas ou três camisas de popelina, brancas e azuis – disse o cliente e amigo.
- Que número gastas?
- Trinta e seis.
- Pois! Número de rapazinho – gozou o Isaac.
- Como é um número pequeno, gasta menos pano, portanto tem de ser mais barata. Venho cá esperando um grande desconto – provocou o Jaime.
- Já sabes que para ti há sempre um preço especial. Eu venho já!
E o comerciante afastou-se um pouco e deu instruções a um empregado.
- Vamos ver se não me fazes quinze por cento de desconto! – cogitou o Furtado.
Passado pouco tempo, o Jaiminho já tinha escolhido quatro camisas: duas brancas, uma azul clara e outra bege. Todas lisas.
- Então quanto é que tenho de pagar? – perguntou o cliente.
- Ao preço normal são trezentos euros, mas para ti são...duzentos e setenta.
- Só dez por cento de desconto? Tem de ser vinte! – refilou o Jaime.
- Vinte? Tu queres que eu vá à falência? – chorou-se o judeu.
- Qual falência qual quê? Duzentos e quarenta!
- Só me aparecem clientes destes! Vinte por cento é a minha margem – mais choro do Isaac.
- Não me faças rir! Tu tens pelo menos trinta de margem. Mas acho que tens quarenta.
- Não! A sério que não posso fazer vinte. Faço-te quinze e não se fala mais nisto. Olha que é artigo do melhor.
- Quinze? Dá...duzentos e cinquenta e cinco, ou seja, cerca de treze contos cada uma. Pronto, levo! Mas vens comigo ali ao café para pôr a conversa em dia e és tu quem paga, Isaac. Mas não te preocupes que eu peço um café curto.
E riram-se os dois, de novo.

24 Comments:

Blogger António said...

Desde sábado à tarde que não conseguia postar!
Finalmente, às 19:00 horas de 3ª feira (22 AGO 06), consegui resolver o problema.
Ufff...
Eram demasiados posts na página principal!
Com a indicação do Blogger (e a luta para a conseguir é que foi difícil) ganhei esta batalha.
Sinto-me feliz!
ah ah ah
Desculpem os três dias de atraso...
(uma palavra para a Paula Raposo e o Gonçalo Nuno Martins pelo empenho demonstrado em ajudar-me)

Abraços e beijos

7:22 da tarde  
Blogger wind said...

E voltas com um excelente diálogo característico de um judeu ( negociante), com um amigo não judeu:)
Está aqui tudo.
Parabéns!:)
beijos

7:42 da tarde  
Blogger Leonor said...

judeus!...

enfim. o texto escrito ao pormenor como sempre. nem os nomes falham.

abraço da leonoreta

7:51 da tarde  
Blogger Maria Carvalho said...

O regresso em grande estilo, depois da pausa (um pouco longa a meu gosto...). Depois de esperar 3 dias para resolver a postagem, estás de parabéns! O diálogo está óptimo, ainda bem que voltaste. Obrigada pela palavra. Beijos.

8:08 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Gostei do texto muito especialmente dos "detalhes" que pormenorizas, parabéns!
Um abraço da:Intemporal.blogs.sapo.pt

10:27 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Gostei francamente do texto!
Fiquei desconfiada quando comecei a ler!!!
Judeus, avareza…
Adorei!
Porém, se um é sovina o outro é, choramingas. Mais dez ou menos dez, o esforço que faz para, nem será poupar, mas ser mais barato! Portugueses e árabes nesse aspecto, (somos) todos iguais! Na feira dizemos: “Vamos marralhar, para ficar mais barato!”

Na realidade durante a 2ª G. Guerra, vieram muito exilados que terminaram cá os seus dias. Alguns anónimos, outros enriqueceram a nossa cultura, Ilse Losa, professora e escritora que, há pouco tempo nos deixou!

Que bom estares de volta!

Parabéns!

Bjs,

GR

12:48 da manhã  
Blogger APC said...

Nem nomes, nem características, nem genealogia, nem... Nada; não falha nada neste regresso às letras. Bom início, mantem-nos atentos; serei seguidora.

2:32 da manhã  
Blogger António said...

Para "GR":
Obrigado pela visita.
De facto, vieram muitos judeus fugidos da Europa central e do norte.
Andou a estudar comigo um rapaz filho dos polacos donos de uma casa de fazendas em Santa Catarina, aqui no Porto: Isaías Filkenstein Zimmerman.
Penso que a casa ainda hoje existe: Filkenstein.

Beijinhos

9:00 da manhã  
Blogger António said...

Correcção:
Acho que é Finkelstein e não Filkenstein.

10:03 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

É verdade. No filme Instinto Fatal aparece o picador de gelo. Agradeço a visita.

Susi

12:24 da tarde  
Blogger Caiê said...

Mas tu queres pôr a minha ancestral família nas ruas da amargura?! Somíticos?! Sovinas?! Ricos atrás da porta?! Ah quem me dera... Eu até estou, pela primeira vez em toda a minha vida, sem emprego... lol

12:39 da tarde  
Blogger Leonor said...

ola antonio.
quando começei na aventura da net há uns dois anos começei pelas páginas de poetas e professores. ainda faço parte de uma. curiosamente, essa página quase não tinha movimento. apenas uma pessoa publicava um poema ou outra coisa de 15 em 15 dias. o ritmo continua assim. barafustei. queria mais actividade. e um participante disse-me: quanto mais tempo o texto estiver aqui mais tempo temos para o ler. deixei de barafustar e concordei plenamente.

quem escreve com empenho sabe que a escrita dá trabalho. e assim, esta merece ser apreciada.

por isso concordo contigo quando me dizes que vais "postar" menos amiude. porque achas que só blogo aos sabados? rsss

abraço da leonoreta

2:01 da tarde  
Blogger Diolindinha said...

Um é judeu e o outro inté parace cigano a discutir o preço das camisas! Mas tem de ser mesmo assim, vizinho, senão comem-nos as papas na cabeça!

Quando vier à minha casa, veja o que está antes de eu ter ido a férias.

Ainda bem que voltou, homem!

Beijinhos da Diólinda

3:27 da tarde  
Blogger Leonor C.. said...

Gostei desta conversa de amigos onde não faltam os pormenores a que já nos habituaste. É pena é que a Raquel sofra dos ossos... e não são do ofício!

Beijinhos

3:30 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Retratas bem a pieguice, choradeira, lamechice, a falta de horizonte, de garra e nunca dizer a verdade da maioria do povo português, cuja situação tão benéfica (dizer-se coitadinho e ter um palacete e afins) até converte qualquer um. Apreeeee:(

Adorei e por acaso queres uma camisa azul?:):):)tenho duas e dou-te uma!!! não sou judia, mas angolana portuguesa:):) e a bica cada um paga a sua:)
Beijos

6:42 da tarde  
Blogger António said...

Para "fatyly":
Obrigado pela visita e fico à espera da camisa azul!

Beijinhos

10:14 da tarde  
Blogger amigona avó e a neta princesa said...

Adorei o conto amigo António! Beijo de saudades...

11:47 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Bom...pensámos no mesmo "cenário": judeus! Mas obviamente que a sua história é muito melhor que a minha...um dia vou conseguir, ehehe! beijinhos ;)

9:59 da manhã  
Blogger Leonor said...

acerca do teu comentário que deixaste hoje la no meu sitio lembrei-me do paradoxo que a natureza reproduz em mim: adoro tudo o que ela tem, até os relampagos, e principalmente os trovoes, mas perto de mim nao gosto nem de animais com pelos, com penas ou escamas.

abraço da leonoreta

1:26 da tarde  
Blogger Su said...

gostei de ler.te...como é habitual

esta história tem muito a ver com o estereotipo do judeu

mas afinal qual deles o vero "judeu" , afinal ambos comerciantes, ambos sovinas, ambos amigos....ambos semelhantes ...

jocas maradas sem sovinice:)))))

2:05 da tarde  
Blogger LUIS MILHANO (Lumife) said...

Bom regresso. Também a pouco e pouco vou retornando. Agora vou pôr a leitura em dia.

Um abraço.

10:33 da manhã  
Blogger Papoila said...

António!
Que saudades! Regressado... e com um dos teu magníficos diálogos que quase reconheço os personagens...
Beijinhos

2:28 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

(Elegância?Magreza,diz!
Só há uma coisa que te invejo: poupas muito dinheiro em comida e em roupa...)

Olhe que não António
...olhe que não!!
;)





Que saudades...sempre tão
bom ler o que descreves.

Beijos meus...doce A.

5:15 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Querido António,
Mais um com a qualidade da tua assinatura. Já a tua vinda tardava...
Beijinhos

5:18 da tarde  

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