Eu sou louco!

Irreverência, humor, criatividade, non-sense, ousadia, experimentalismo. Mas tudo pode aparecer aqui. E as coisas sérias também. O futuro dirá se valeu a pena...ou melhor seria ter estado quietinho, preso por uma camisa de forças! (este blog está registado sob o nº 7675/2005 na IGAC - Inspecção Geral das Actividades Culturais)

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quarta-feira, novembro 22, 2006

Uma família burguesa - parte XVII

Sexta-feira, antes do almoço, Francisco Torres foi buscar as respostas ao jornal.
Trouxe vinte e oito cartas.
- Não esperava receber tantas – pensou.
Nessa tarde, o seu trabalho no stand de venda de automóveis foi abrir, ler e classificar as missivas.
Desde logo começou a separar algumas que não se enquadravam no perfil que imaginara para as meninas do “Borda d’água”.
Seis eram brasileiras, duas ucranianas, uma russa, duas moçambicanas e três angolanas. Estas foram logo eliminadas pois, sendo estrangeiras, dariam mais nas vistas, especialmente à polícia. Depois eliminou três que indicavam ter trinta e tal anos mas, provavelmente, teriam quarenta ou mais, pensou. Uma outra foi despachada porque praticamente não sabia escrever.
Restaram dez.
Todas elas tinham entre vinte e vinte e oito anos (pelo menos era o que diziam nas cartas) sendo: três cabeleireiras, quatro desempregadas, duas balconistas e uma estudante.
Lidos e relidos os papéis, acabou por considerar que estas deveriam ser as entrevistadas e seria isso que iria propor ao sócio Alexandre Pimenta.
Quando chegou ao bar já ele lá estava. Fez um sinal para o cunhado e sentou-se na mesa mais ao fundo enquanto a Alzira ía limpando a outra ponta da sala.
O Alex colocou-se ao seu lado. Confirmou que a empregada estava concentrada no seu trabalho e disse baixinho:
- Recebemos vinte e oito cartas. Já separei estas dezoito que não me parecem ter interesse e tenho aqui estas dez que penso merecem ser chamadas para uma entrevista – relatou ao irmão da mulher.
Este pegou nas cartas e analisou-as durante algum tempo. Finalmente falou:
- Concordo! Agora temos de lhes telefonar pois parece-me que todas deixaram o contacto de telemóvel.
- Deixaram, sim! E onde fazemos as entrevistas? E quando? – inquiriu o Chico.
E continuou:
- Não sei se será muito conveniente meter a Marina nisto, embora eu pense que ela gostava de dar o seu palpite.
- Claro que gostava! Mas devemos ser só nós quem faz a selecção. Ela depois pode vir cá para confirmar que o ambiente continua a ser igual ao actual. As entrevistas devem começar o mais depressa possível. Onde? Perguntas bem! Aqui, com a Alzira e clientes, não dá. Em tua casa também não. Na minha, está lá a minha velha: não dá! Só vejo uma possibilidade: no dia de folga – disse o Alex esperando a reacção do sócio.
- Pois sim! Portanto, na segunda. Deixa-me pensar! Das sete à meia-noite. Estamos cá os dois e acho que meia hora é suficiente para cada uma – especificou o Francisco.
Mas, de repente, lembrou-se do terceiro sócio.
- E o Gilberto? Já lhe disseste alguma coisa?
- Já tinha falado com ele ainda no tempo do Renato e não rejeitou a ideia. E agora, quando lhe dei o recibo do jornal, abordei o assunto. Ele só quer que haja uma discrição total – falou o Alexandre.
- Óptimo! – disse o Chico – E o que se segue?
- Agora pegamos num papel, escrevemos o nome, idade, profissão e número de telefone de cada gaja e vamos contactá-las uma a uma. Marcamos para segunda dentro do horário combinado e cada uma vem na sua hora.
- Ok! Vamos então trabalhar! E a Alzira? – interrogou o maioritário.
- Um de nós vai fazer isso para a esplanada ali no largo de forma que ninguém ouça. O outro fica aqui a preparar as coisas para logo. Hoje é sexta e deverá vir mais gente. Se calhar é melhor seres tu a telefonar que falas melhor do que eu – disse o cabeça rapada.
- Certo! Então deixa-me levar um bloco e as dez respostas.
E pouco depois o Chico saía.
Nessa noite nem foi jantar a casa. Disse à mulher o que estavam a fazer e esta pareceu não ficar muito satisfeita mas, depois de esclarecer que a ideia de que ela não interviesse na escolha tinha sido do mano, a Marina amoleceu.
Cerca de uma hora e meia depois regressou ao bar:
- Não consegui falar com três: duas cabeleireiras e uma desempregada. A estudante perguntou se era para atacar e desistiu. Está aqui a listas das seis candidatas e a hora a que aparecem. A primeira é uma cabeleireira de vinte e dois anos chamada Sónia que vem às sete pois nesse dia tem folga – falou baixinho enquanto estendia o papel ao sócio.
- Então temos seis! São suficientes. Se for necessário, depois tentamos contactar as outras...três, não é? – disse o Alexandre.
- Exactamente!

Na segunda-feira às sete da tarde já lá estavam os dois homens.
Passado pouco tempo tocaram à porta.
- Eu vou abrir! – disse o Alex.
Logo entrou uma morena, nem alta nem baixa, cabelo muito negro e muito curto, uma boca grande com lábios grossos e dentes muito brancos e muito certos que deixavam antever o sangue africano que lhe corria nas veias. Era ligeiramente para o forte mas bem constituída e curvilínea.
- Pode sentar-se aqui – e o Alex apontou-lhe a mesa onde já estava o Francisco.
- Com licença! Obrigada!
- Então como é que se chama?
- O meu nome verdadeiro é Sónia Filipa Soares Silva, trabalho numa cabeleireira e tenho vinte e dois anos.
- Eu vou-lhe dizer o que pretendemos de si – disse o Alexandre, passando a explicar.
- A discrição no vestir e no comportamento é fundamental, percebe? – interveio, por duas ou três vezes, o outro.
Finalmente, a rapariga falou:
- Já não é a primeira vez que faço este tipo de trabalho. A vida está má e temos de fazer por ela. Aceito o trabalho, que é como quem diz, ser uma cliente assídua do bar – e riu-se.
E continuou:
- Eu não tenho carro. Não me podem pagar o táxi?
- Qualquer pagamento da nossa parte está fora de questão, – respondeu prontamente o Alex – m
as oferecemos uma sandes e uma bebida por noite.
E continuou:
- Mas se morar perto, podemos pensar na possibilidade de algumas vezes a ir buscar. Onde mora? – quis saber o irmão da Marina.
- Moro em Sá da Bandeira com uma colega. Mas às vezes posso vir do trabalho para aqui. O salão onde estou é nas Antas.
- Sá da Bandeira fica-me a jeito; as Antas não! Mas depois falamos melhor nisso. Primeiro quero conversar com as outras candidatas – matou o assunto o Alex.
- Mas ainda não estou aceite? – inquiriu, com algum espanto, a jovem.
- Está! Está! – disse o Alexandre.
A conversa não demorou muito mais. Sónia fez questão de que passassem a chamar-lhe Vanessa no bar. Despediu-se, dizendo:
- Então amanhã cá estarei!
Durante o resto da noite ouviram mais quatro mulheres, tendo chegado a acordo com três delas. Uma das desempregadas não pretendia prostituir-se; respondera porque pensara que se tratava de um trabalho de alternadeira. Uma das balconistas faltou. Ficaram portanto: a cabeleireira, uma balconista e duas desempregadas.

23 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Hoje tenho o prazer de ser a primeira a comentar... (se é que neste momento não está alguém a fazer o mesmo!)
Isto está a ficar bonito, está... os dois sócios são mesmo uns "escroques" e o vocabulário que pões na boca deles é mesmo adequado, António! Gajas! Diverti-me mais uma vez a ler mas é triste saber que esta realidade não está só na ficção...
Parabéns! As tuas descrições e diálogos trazem imagens aos olhos do leitor, como se estivesse a ver um filme... é fantástico!
Beijinhos ao meu amiguinho (tenho que retribuir o carinho com que me tratas, né?)

5:29 da tarde  
Blogger António said...

Para "becas":
Olá, amiguinha querida!
Obrigado pelo teu comentário tão lisonjeiro.
Agora estou mesmo a escrever a última parte (a XXIV).
Beijinhos

7:14 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Querido António!
Mais uma parte da preciosidade tratada com tanta minúcia por ti.
Estou como a amiga que comentou antes, parece que estamos a ver um filme.
E cá vamos seguindo as aventuras desta gente que qualquer dia passa a ser parte do nosso dia a dia.
Beijinhos

8:13 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Olá Antonio,

Amanhã venho comentar, hoje só dar-te as boas noites.

Beijinhos
Ana Joana

10:29 da tarde  
Blogger Papoila said...

António, gostei da forma como conduziste o diálogo das entrevistas e do ambiente levemente "sórdido" do mesmo pelo vocabulário utilizado pelos dois sócios... Já pensaste em ser guinista?
Continuo a ler-te.
Beijo

10:32 da tarde  
Blogger António said...

Para "ana joana":
Boa noite!

Beijinhos

10:53 da tarde  
Blogger Peter said...

Mas não testam o material?

1:26 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

António,

Possivelmente até é capaz de ser assim, os contactos feitos com toda a frieza, pelos “medíocres” fazedores de dinheiro!
As pobres mulheres para arranjarem mais algum dinheiro, tem os prostituídos felizes, esquecendo-se que poderão contrair, todo o tipo de doenças! 30 000 casos de SIDA, não sei quantos sifilíticos e hepáticos e…e…
Sou contra a venda do sexo de mulheres ou homens!
Quanto mais pobre culturalmente for um país, maior é o risco da desumanização!
Porque muitos que concordam com a prostituição, não gostariam de ver as suas mães, irmãs, filhas ou esposas, a prostituírem-se!

Considerando que este texto é mais uma página lida, gostei imenso desta descrição, para mim arrepiante, tal a realidade (!) da descrição.Mas o Alexandre tem muita influência na irmã!
Mais uma vez parabéns!

GR

3:46 da manhã  
Blogger Maria Carvalho said...

As tuas óptimas descrições e os teus diálogos que eu adoro sempre!! Está muito bom. Gostei, mais uma vez. Beijos.

9:36 da manhã  
Blogger António said...

Para "GR":
Olá Guida!
Mais uma vez obrigado pelas tuas palavras.
É minha opinião que, a prostituição como o aborto, são dois males que efectivamente existem e não vão ser erradicados. Portanto, não vale a pena tapar o sol com uma peneira.
É preferível legalizar e criar condições para que sejam menos lesivos das pessoas.
Dixit.

Beijinhos

9:52 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Bom dia António.
A descrição é boa. Este é um expediente cada vez mais utilizado para aumentar o rendimento mensal quer dos "empregadores" quer das "profissionais". Atribuir o onus da culpa aos "empresários" e "clientes" é menosprezar a capacidade de escolha das "profissionais". Na minha optica, cada pessoa é responsavel pelas suas escolhas e estas, por muito que se afastem das nossas, só têm que ser respeitadas. Assim, não me parece que este acordo entre as partes possa ser passivel de julgamento em que se espera encontrar o lobo mau e o capuchinho vermelho.

E venham de lá as golpadas que este tipo de negócios sempre promovem rsssssss. Resta saber se quem vai ser comido é o capuchinho ou o lobo mau!!!!!!

Beijinhos
Ana Joana

11:29 da manhã  
Blogger sónia said...

Só mesmo para deixar um beijinho! :)

11:41 da manhã  
Blogger margusta said...

Querido amigo António,
...venho trazer-te um beijinho de saudade, e convidar-te a passar por lá...afinal 25 anos é muito tempo...e tu tb sabes disso!!!

Mais jinhossssssssss meu amigo!

11:54 da manhã  
Blogger António said...

Para "ana joana":
Ó menina!
Que se passa?
Hoje estou de acordo contigo...eh eh.
Será a velhice?
Obrigadinho!
Volta sempre!

Beijinhos

3:34 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

António, convenhamos, já não era sem tempo!!! ahahahah

Da velhice não será já que somos uns quinquagenários muito frescos e conservados, eheheh. Acho que estás mesmo a começar a ver a luz ahahahahahahahahaha

Beijinhosss
Ana Joana

4:24 da tarde  
Blogger António said...

Para "ana joana":
E tu quando abres os olhinhos para ver a luz?
(e não me refiro ao estádio do Benfica!)

Beijinhos

6:58 da tarde  
Blogger Fatyly said...

Fantástico e descreveste muitissimo bem a frieza com que se fazem "negócios" sempre à sombra do "parece bem"!

Subscrevo na integra o comentário de GR e a tua resposta!

Aguardarei!

8:11 da tarde  
Blogger margusta said...

António,
..eu penso que as bodas de prata deveriam ser comemoradas a partir da data em que as pessoas começam a namorar...pois é a partir desse dia que ficam unidos..para mim faz mais sentido :)

Beijinho grande querido amigo!

12:10 da tarde  
Blogger margusta said...

Oh António...tu és melhor que o Marcelo Rebelo de Sousa nas suas análises ;)
....bom ok... até que tens razão ..nas no meu caso acho que ontem é que deviam ser mesmo comemoradas as bodas de prata ...para as do casamento ainda faltam três anos.

Jinhos amigo..olha e explica lá pq é que os beijinhos têm de ser salgados...é que eu hoje não estou a funcionar muito bem...ontem embati a toda a força na porta de um centro comercial..ía distraida e o automático não funcionou..foi uma pancada tal que ainda estou meia KO ( Não vale rires de mim..;)

3:31 da tarde  
Blogger Fragmentos Betty Martins said...

Querido António

Vejo que os "gajos" estão a trabalhar com afinco na escolhas das "senhoras" :))

Sabes o que te digo: a brincar-a-brincar vais deixando aqui coisas muitas sérias.

Parabéns está**********é dez, porque.........eu quero que seja assim:))

Beijinhos

(até já)

7:18 da tarde  
Blogger margusta said...

Meu querido António,
..e está mais que provado , que és muito melhor que o MRS;)...se tinha dúvidas agora fiquei sem nenhuma :)
Obrigada pelos esclarecimentos...e não vale rires das minhas desgraças com portas invisivéis :)

Jinhos doces...

1:13 da manhã  
Blogger Leonor said...

antonio
o que eu mais admiro nos teus textos é a descrição ao pormenor. nada fica esquecido. excelente.

abraço da leonoreta

4:33 da tarde  
Blogger maresia said...

Confirma-se! Continuas louco! :) Acho que vou voltar, tenta visitar-me, boa?

9:56 da tarde  

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