Histórias curtas IV - Detective privado
O Joaquim Silva era um antigo militar da Guarda Nacional Republicana que deixou a actividade depois de ter sido acometido de um enfarte de miocárdio.
Tinha cerca de sessenta anos e um corpanzil de gorila.
Apesar de não ter muita instrução, possuía uma boa biblioteca de livros policiais que já lera mais de uma vez. Desde Poirot a Sherlock Holmes, passando por Maigret, todos os detectives da ficção policial eram os seus heróis.
Por isso, quando se reformou, resolveu tornar-se detective privado.
Tinha a sua pistola Beretta 81, calibre 7.65, e a máquina fotográfica Canon que, apesar de antiga e desactualizada, lhe servia muito bem para fotografar, até com zoom.
Criou um espaço na sua casa térrea para instalar um pequeno escritório em cuja secretária estavam pousados uma máquina de escrever e um telefone além de outros objectos menos importantes. Não se entendia muito bem com essa coisa dos computadores pois isso era para a malta mais nova, dizia. Nas estantes, além de uns dossiers, lá estava a livralhada policial.
E não se pode esquecer o velho Ford Fiesta preto, companheiro fundamental para cumprir as missões que encarava com todo o empenho, nem o telefone celular, novinho e capaz de tirar fotografias de forma mais discreta mas cujo manejo lhe dera muito trabalho a aprender.
A mulher com quem casara em segundas núpcias, Olinda de seu nome, tinha menos treze anos do que ele. Trabalhava em casa fazendo uns bordados e umas rendas que depois vendia sobretudo para lojas, mas também para alguns particulares.
O uso de betabloqueadores resultante do problema cardíaco que tivera e o obrigava a uma medicação constante acentuara aquilo que a idade já gerara naturalmente: disfunção eréctil (a que ele chamava, com tristeza, “falta de tusa”).
Mas lá ía consolando a sua Olinda como podia.
Os seus clientes eram sobretudo esposas ou maridos que supunham andar a ser traídos.
Quando o trabalho começava a faltar, punha um anúncio no jornal e não tardavam a aparecer mais umas investigações para executar.
As revelações fotográficas eram feitas num fotógrafo profissional com quem fizera um pacto de silêncio.
E assim se ía entretendo e ganhando mais algum dinheirinho, evitando ter de sobreviver somente com a curta pensão que recebia depois de tantos anos de dedicação à GNR.
Com maior ou menor dificuldade ía resolvendo quasi todos os casos que lhe apareciam.
Por vezes nada descobria de comprometedor e os clientes recusavam-se a pagar.
- Se o senhor não descobriu que o meu marido me trai, é porque não fez o trabalho como devia ser, portanto não lhe pago rigorosamente nada – dizia-lhe uma madame.
- Mas, minha senhora, se o seu marido lhe é fiel a senhora até devia estar feliz – ripostava, na sua bonomia, o detective Silva.
- E quem é que lhe disse que eu queria que ele fosse fiel? – surpreendia-o a cliente.
- Bom! Sendo assim, além de um detective, devia ter contratado uma menina que o seduzisse – ironizou o Joaquim.
- Não quero saber das suas sugestões para nada. Não descobriu, não recebe! – e a madame fechou-lhe a porta na cara.
E lá voaram uns patacos ao paciente investigador policial.
No entanto, felizmente, a maioria dos contratantes cumpriam o que haviam acordado com o determinado e zeloso fã de Hercule Poirot.
Num belo fim de tarde de primavera, o Joaquim Silva entrou em casa satisfeito da vida.
Foi dar um beijo na sua querida Olinda e depois sentou-se na confortável cadeira que usava para trabalhar na secretária.
O correio do dia ainda lá estava pois não tivera tempo de vir a casa desde que saíra, de manhã.
Deu uma olhadela por tudo e começou por abrir um envelope que trazia um cheque.
- Aqui está ele! Deu trabalho mas valeu a pena – pensou.
- E que será isto? Não tem remetente!
E abriu um envelope grande e mais pesado que o normal.
Tirou um papel e umas fotografias.
Começou a vê-las e por cada uma que via ía ficando mais branco e com uma cara perfeitamente aparvalhada.
Não conseguiu olhar para todas. Pegou no papel que as acompanhavam e leu:
Caro detective Joaquim Silva:
Contratei um colega seu para seguir o meu marido e, como pode ver pelas fotos que anexo, ele comprovou que a puta da sua mulher é amante do sacana do meu homem.
Agora espero que dê umas cornadas na sua Olinda que eu vou fazer o mesmo com o safado do meu marido que, brevemente, será ex-marido.
O corpulento ex-GNR estava lívido e permaneceu durante um tempo indeterminado sentado na cadeira. Começou a ficar mal disposto. Sentiu uma dor no peito e no braço que lhe era familiar. Levantou-se, deu dois passos e caiu redondo no chão.
Tinha cerca de sessenta anos e um corpanzil de gorila.
Apesar de não ter muita instrução, possuía uma boa biblioteca de livros policiais que já lera mais de uma vez. Desde Poirot a Sherlock Holmes, passando por Maigret, todos os detectives da ficção policial eram os seus heróis.
Por isso, quando se reformou, resolveu tornar-se detective privado.
Tinha a sua pistola Beretta 81, calibre 7.65, e a máquina fotográfica Canon que, apesar de antiga e desactualizada, lhe servia muito bem para fotografar, até com zoom.
Criou um espaço na sua casa térrea para instalar um pequeno escritório em cuja secretária estavam pousados uma máquina de escrever e um telefone além de outros objectos menos importantes. Não se entendia muito bem com essa coisa dos computadores pois isso era para a malta mais nova, dizia. Nas estantes, além de uns dossiers, lá estava a livralhada policial.
E não se pode esquecer o velho Ford Fiesta preto, companheiro fundamental para cumprir as missões que encarava com todo o empenho, nem o telefone celular, novinho e capaz de tirar fotografias de forma mais discreta mas cujo manejo lhe dera muito trabalho a aprender.
A mulher com quem casara em segundas núpcias, Olinda de seu nome, tinha menos treze anos do que ele. Trabalhava em casa fazendo uns bordados e umas rendas que depois vendia sobretudo para lojas, mas também para alguns particulares.
O uso de betabloqueadores resultante do problema cardíaco que tivera e o obrigava a uma medicação constante acentuara aquilo que a idade já gerara naturalmente: disfunção eréctil (a que ele chamava, com tristeza, “falta de tusa”).
Mas lá ía consolando a sua Olinda como podia.
Os seus clientes eram sobretudo esposas ou maridos que supunham andar a ser traídos.
Quando o trabalho começava a faltar, punha um anúncio no jornal e não tardavam a aparecer mais umas investigações para executar.
As revelações fotográficas eram feitas num fotógrafo profissional com quem fizera um pacto de silêncio.
E assim se ía entretendo e ganhando mais algum dinheirinho, evitando ter de sobreviver somente com a curta pensão que recebia depois de tantos anos de dedicação à GNR.
Com maior ou menor dificuldade ía resolvendo quasi todos os casos que lhe apareciam.
Por vezes nada descobria de comprometedor e os clientes recusavam-se a pagar.
- Se o senhor não descobriu que o meu marido me trai, é porque não fez o trabalho como devia ser, portanto não lhe pago rigorosamente nada – dizia-lhe uma madame.
- Mas, minha senhora, se o seu marido lhe é fiel a senhora até devia estar feliz – ripostava, na sua bonomia, o detective Silva.
- E quem é que lhe disse que eu queria que ele fosse fiel? – surpreendia-o a cliente.
- Bom! Sendo assim, além de um detective, devia ter contratado uma menina que o seduzisse – ironizou o Joaquim.
- Não quero saber das suas sugestões para nada. Não descobriu, não recebe! – e a madame fechou-lhe a porta na cara.
E lá voaram uns patacos ao paciente investigador policial.
No entanto, felizmente, a maioria dos contratantes cumpriam o que haviam acordado com o determinado e zeloso fã de Hercule Poirot.
Num belo fim de tarde de primavera, o Joaquim Silva entrou em casa satisfeito da vida.
Foi dar um beijo na sua querida Olinda e depois sentou-se na confortável cadeira que usava para trabalhar na secretária.
O correio do dia ainda lá estava pois não tivera tempo de vir a casa desde que saíra, de manhã.
Deu uma olhadela por tudo e começou por abrir um envelope que trazia um cheque.
- Aqui está ele! Deu trabalho mas valeu a pena – pensou.
- E que será isto? Não tem remetente!
E abriu um envelope grande e mais pesado que o normal.
Tirou um papel e umas fotografias.
Começou a vê-las e por cada uma que via ía ficando mais branco e com uma cara perfeitamente aparvalhada.
Não conseguiu olhar para todas. Pegou no papel que as acompanhavam e leu:
Caro detective Joaquim Silva:
Contratei um colega seu para seguir o meu marido e, como pode ver pelas fotos que anexo, ele comprovou que a puta da sua mulher é amante do sacana do meu homem.
Agora espero que dê umas cornadas na sua Olinda que eu vou fazer o mesmo com o safado do meu marido que, brevemente, será ex-marido.
O corpulento ex-GNR estava lívido e permaneceu durante um tempo indeterminado sentado na cadeira. Começou a ficar mal disposto. Sentiu uma dor no peito e no braço que lhe era familiar. Levantou-se, deu dois passos e caiu redondo no chão.
27 Comments:
Gagalhadas:))))
António desta vez excedeste-te!
Excelente post!:)
beijos
E esta, hein!
Desta vez, a história, apesar de dramática, ia-me matando a rir. É que a linguagem " vicentina" tem o dom de me fazer dar umas boas gargalhadas! Continuas na senda do êxito! Mais uma vez , com a tua criatividade em acção, pintaste um quadro melodramático do quotidiano.O guarda-detective, apanhado de surpresa, acabou por sucumbir.As malhas que o destino tece!
Mulher nova, marido fora o dia inteiro,a falta de "tusa" a provocar "estragos" graves na ,certamente ainda libidinosa, Olinda.
A carta ,António,não podia ter um conteúdo melhor!Estás de parabéns! Quanto às mulheres, só te posso dizer que a atrevida Olinda, a esta hora,com o guarda morto e enterrado, deve estar nos braços do amante que também teve " a sorte" de ter sido posto ao fresco.
Continuo a gostar. Muito! E insisto, estas histórias mereciam ser lidas por muitas mais pessoas!!!
Beijinhos
Chamem o António, perdão a GNR, desculpem o INEM... rápido que o corno está desfalecido e a Ólinda ainda é capaz de lhe apertar os guizos de uma vez por todas!!!
Chamem o António!
Agora é que a òlinda vai pôr o retrato do marido atrás da porta.
Pois dizem que pôr um corno detrás da porta dá sorte.
E a talho de foice:
-Não te esqueças dos medicamentos e toma-os a horas certas.
Bom fim de semana
Foi uma morte feliz e que fez a felicidade da viúva.
Há males que vêem por bem.
Excelente!! Em todos os sentidos! Bem escrito mesmo e a história é o máximo de divertida! Tirando o 'cair redondo no chão'...mas só podia ter esse final mesmo! Adorei, António. Milhões de beijinhos (de mãos dadas...)Eh eh eh
Bom dia António,
Bem divertida esta história! rsss
Também aqui se vê que dificilmente se procura encontrar a solução dentro ou perto de portas - para o bem e para o mal. Sempre achamos que é lá fora, de preferencia mto longe, que está a chave misericordiosa rsssssss - há coisas que só podem acontecer aos outros!!!!!!
Mais uma boa história, tanto na forma, como no conteúdo como no género.
Bom fim de semana e beijinhos
Ana Joana
ola antonio.
venho agradecer a tua presença leitora no meu blog e o tempo dispensado á leitura do meu conto e numa troca de historia cá historia lá, leio a tua.
mas nao pelo dever da praxe, entenda-se.
quanto ao estilo da escrita nao direi nada devido aos comentarios feitos anteriormente ja de outras historias que escreveste. assim nao me repito.
comento entao so a historia.
o "feitiço vira-se contra o feiticeiro" ou "em casa de ferreiro espeto de pau".
são sempre complicadas as relações onde há alguma distancia de idades.
os finais da reviravolta, rsss, é que me prendem definitavente.
abraço da leonoreta
"definitivamente"
estas teclas estão cada vez piores
Para "ana joana":
Obrigado pelo teu comentário.
E as "Histórias curtas" irão continuar...para isso tenha a imaginação e a inspiração.
A transpiração é só mais lá para o verão.
Beijinhos
"Em casa de ferreiro espeto de pau"! já lá diz o ditado! Se o GNR zelasse mais pelo que lhe dizia respeito... Mas a sua opinião sobre as mulheres é uma coisa!!!
Coitado, não basta traído senão tb "morrido"..........podias ter "aliviado" a COISA.................Todavis está bom, parabéns!
Um abraço da Intemporal.blogs.sapo.pt
Para "intemporal":
Obrigado por mais um comentário.
Volta sempre!
Beijinhos
Muito bem narrado e no final o grande dective, coitadoooo mas dei gargalhadas sonoras com tanto gosto.
Parabéns António e é caso para dizer...vasculha-se a vida dos outros quando temos telhados de vidro eheheheheheh!
Beijos
Para "GR":
Olá, Guida!
Obrigado por mais um comentário que me deixa tão babado que pareço um velhinho caquético...ah ah ah.
Beijinhos
Olá António:
Mais uma história bem contada e divertida...
Mas tudo fica em suspenso... ele só caiu redondo no chão pode voltar a levantar-se e coitada da Olinda... lol
Beijo
Fabulosamente divertida... já para não me repetir em novos elogios à tua escrita k éfantástica.
Beijo António e obrigada pela rugas a menos no meu rosto.:)
Bom esta história está mesmo divertida!Fartei-me de rir!
Quem ganhou com a morte do ex-GNR foi a sua esposa, não haja dúvida!
Bom Domingo, António
Três vivas para Olinda!!!
Eu estava mesmo à espera, confesso... ;)
Quando mete detectives, adivinho sempre o fim da história!
Para "Tó Gomes":
Obrigado pela visita e comentário.
Fui ao teu blog mas parece que ele também está morto.
Abraço
As histórias por aqui são muito bem "esgalhadas", tanto na estrutura como na composição e no imaginário mas...acha mesmo que o ser humano é assim tão imperfeito nas relações humanas que estabelece? Somos assim tão hipocritas e tão incapazes de ser fieis aquilo em que acreditamos e às pessoas que amamos e que nos amam? As suas histórias são sempre atravessadas por adultério, de parte a parte, e denotam pouco crédito na integridade moral e na lisura das relações humanas. Acha mesmo que somos assim ou é para apimentar os textos?
Parabéns!
Olá querido antónio,
...faz muito tempo que não te lia...mas quando li " Histórias curtas...", pensei..ok...não venho apanhar nenhuma blogonovela no meio...e...e digo-te gostei muito do teu " Detective privado", tanto que até tive pena do " gorila"
A tua imaginação continua o máximo!!!
Querido António, quero aqui tb agradecer-te o facto de não te teres esquecido do meu aniversário. Muito obrigada por te teres lembrado de mim !...Pois eu já não posso dizer o mesmo , em relação ao teu aniversário...mas ainda aceitas uma beijoca de Parabéns...não aceitas?...
Jinhos muitos...vou tentar ir regressando aos poucos....
querido amigo António, claro que me ri.
o feitiço virado contra o feiticeiro, neste caso, para não dizer o outro ditado que termina em "o último a saber"
como sempre entusiasmada com a tua forma de escrever, sempre tão criativa e bem escrita
um bom momento sem dúvida, dentro
de um final triste que me arrepia, mas isso é um problema meu, que dia a dia vou tentando ultrapaçar sem o conseguir ainda na sua totalidade
abraço-te sempre com muita ternura e deixo-te beijinhos meus
lena
Fantástico, António! Fantástico!
Beijo...
Passei para reler durante uma pausa para café. De chávena na mão, com o precioso líquido fumegante por beber,fui revendo as imagens que tão bem "disparas" para o papel. Este guarda/ detective apanhou cá um par de...!
Boa! Quem com ferro mata, com ferro morre! Estás um arquitecto da palavra! Bem construída a história! Reitero o que já havia dito.
E estas mulheres saíram fresquinhas...da costa.
Beijinhos
ahaahahah
gostei
beijos
Mas olha lá, tu matas os homens todos? Taditos deles!
Há muito que nã ovenho pelos blogs e então estou a ler tudo de uma vez só, começando pelos de cima. Já é o segundo a marar, ai ai ai.
Como já reparaste estou a rir que nem perdida com as tuas histórias.
Beijinhos
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