Eu sou louco!

Irreverência, humor, criatividade, non-sense, ousadia, experimentalismo. Mas tudo pode aparecer aqui. E as coisas sérias também. O futuro dirá se valeu a pena...ou melhor seria ter estado quietinho, preso por uma camisa de forças! (este blog está registado sob o nº 7675/2005 na IGAC - Inspecção Geral das Actividades Culturais)

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terça-feira, setembro 27, 2005

No velho mIRC - parte III

ELA: Olá! Desta vez comecei eu.
ELE: Olá, boa noite! Tudo bem?
ELA: Comigo, sim. O jantar correu bem?
ELE: Claro! Os velhotes adoram ter o filho em casa.
ELA: Imagino! És filho único?
ELE: Não! Tenho uma irmã casada, mais nova do que eu 3 anos e com 3 filhos.
ELA: Eu sou filha única.
ELE: Então deves estar bem mimada.
ELA: Acho que tenho os defeitos dos filhos únicos. Mas pouco evidentes.
ELE: Não gostas de ser contrariada, amuas com facilidade, um pouco individualista.
ELA: Olha como tu sabes!
ELE: Conheço vários. A Fernanda também era assim; mas com essas características mais vincadas.
ELA: Fernanda, a tua...mulher?
ELE: Sim!
ELA: E só visitas os teus pais uma vez por semana?
ELE: Às vezes vou lá ao sábado ou ao domingo. E telefono todos os dias
ELA: Lindo filho!
ELE: Vivem na Maia assim como a minha mana. Ela vai lá mais vezes.
ELA: E tem os netinhos.
ELE: O João com 12, a Mariana com 10 e o Miguel com 3.
ELA: Actualmente, na média burguesia já há poucos casais com 3 filhos.
ELE: O Miguel passa lá o tempo.
ELA: Tens boas relações com os senhores?
ELE: Com o meu pai, durante o período da adolescência, nem sempre eram fáceis.
ELA: Nada de anormal.
ELE: Claro! Depois foram melhorando e com a morte da Nanda…
ELA: Já percebi! Depois passaram a ser muito mais amistosas.
ELE: Também lhe morreu um neto!
ELA: É curioso!
ELE: Não percebi! O que é curioso?
ELA: Desculpa! Mudei o rumo à conversa. Mas não resisti a dizer uma coisa.
ELE: Não resististe a dizer: “É curioso” ou “uma coisa”? lololol
ELA: lol Não! A dizer como, ao fim de 3 dias de conversas à distância, parece que já nos conhecemos há imenso tempo.
ELE: É verdade! É o sortilégio destes novos meios de comunicação.
ELA: E não só! Já tenho falado aqui com algumas pessoas. Mas contigo houve um clique qualquer que fez surgir uma empatia muito especial. Aconteceu-te o mesmo?
ELE: Aconteceu! Mas daqui a poucas semanas tudo pode desaparecer. Acho que, apesar do que contamos um ao outro, permanece um mistério que mantém vivo o encantamento. Mas depois converte-se em tédio se não o alimentarmos. As conversas à distância tornam-se monótonas e tudo estiola. Já vivi isso mais de uma vez.
ELA: Não tenho tanta experiência nisto como tu. Mas o que dizes parece-me lógico.
ELE: Podes crer! Mas como vamos jantar qualquer dia, teremos então a prova dos nove. Ou a empatia se revitaliza ou murcha. Será um momento fundamental.
ELA: Tu pareces mestre no assunto.
ELE: Depois da morte da Fernanda já tive alguns almoços ou jantares ou mesmo mais do que isso. E foi a partir daí que as coisas se clarificaram
ELA: E houve alguma situação em que a atracção tenha aumentado e não diminuído?
ELE: Não gosto muito da palavra atracção. Prefiro empatia ou mesmo encantamento.
ELA: E houve?
ELE: Sim, houve. Com uma rapariga aqui da zona do Porto, com 28 anos e solteira.
ELA: Upa! Foi recente?
ELE: Começou aqui à 4 anos. Eu tinha 38. Era muito bonita e elegante. Mas não muito inteligente.
ELA: Era loira? lololol
ELE: lololol Não! Bastante morena.
ELA: E foram fazer um jantarzinho…
ELE: Já sabes umas coisas.
ELA: E depois foram passear de carro. Ó meu querido! Isso é o trivial.
ELE: E eu disse o contrário?
ELA: E depois foram para o teu T1.
ELE: Certo. Continua e se te enganares eu intervenho.
ELA: Puseste um disco soft a tocar. Serviste um licor.
ELE: Whisky lololol
ELA: Tocaram-se nas mãos, depois acariciaram a face, depois um abraço e um beijo…agora continua (se achares que deves, claro)
ELE: Exactamente…primeiro no sofá e no chão, com alguns preliminares. Depois na cama já com muitos mais.
ELA: E não pregaste olho toda a noite.
ELE: A moça era uma fera selvagem.
ELA: Comeu-te todo lololol
ELE: Pois…e ficou lá a viver. Eu andava com fome. Pumba! Pensei com a parte de baixo.
ELA: Agora já não faço perguntas. Dizes o que quiseres.
ELE: Rapidamente percebi que ela só servia para a cama e para dar nas vistas na rua ou em outros locais públicos.
ELA: Estou caladinha.
ELE: Mas dava-me um certo gozo exibir uma fulana tão boa.
ELA: Não me parece que houvesse grande paixão. Oh….falei!
ELE: Não. Tudo carnal. Não tinha grande instrução nem educação. Mas foi ficando.
Eu ausentava-me para o trabalho e, sobretudo nas grandes ausências, comecei a matutar no que faria ela quando eu estava fora.
ELA: Não trabalhava? Oh…falei outra vez!
ELE: Era esteticista. Mas gastava muito mais do que ganhava.
ELA: E tu…ai ai ai…desculpa mas não me contenho.
ELE: lolololol Dizias bem! A Marta (não era este o nome, mas acho que não devo dizer o verdadeiro, percebes?) começou por me pedir pouco. Mas foi aumentando a parada gradualmente.
ELA: Desculpa-me que te diga. Mas foste um bocado otário.
ELE: Um bocadão!
ELA: Estás a ver? Não aguento sem falar. Desculpa-me! Mas estas histórias agitam-me.
ELE: Estás desculpada! lololol
ELA: És um querido!
ELE: Eu sei! Quando queria que abrisse a carteira, a Marta era terrivelmente sedutora, e também dizia que eu era um querido mas com tal languidez que as notinhas deslizavam suavemente para a carteira dela.
ELA: Mas que nabo! Ai....desculpa!
ELE: lololol mas deixa-me voltar à minha desconfiança sobre o que ela fazia nas minhas ausências.
ELA: Por mim estás à vontade lololol
ELE: Uma vez, estava em Évora, resolvi regressar a casa no dia anterior ao previsto, à noite.
ELA: Ai meu Deus!
ELE: Entrei sorrateiramente e às tantas começo a ouvir umas risadas vindas do quarto. Ainda pensei que estivesse a ler alguma coisa com piada, mas depois oiço uma voz de homem a dizer qualquer coisa que não percebi.
ELA: O que eu calculava!
ELE: Também eu! Mas não tinha pensado com rigor no que faria.
ELA: E que fizeste? Despacha-te! Oh…desculpa.
ELE: Tive receio de entrar no quarto. Escondi-me atrás dum cortinado e fiz um telefonema a dizer que chegava dali a uns 10 minutos.
ELA: Coooooooooooonta!
ELE: lololol Estás a rir-te à minha custa.
ELA: Não, juro! Mas a novela está emocionante.
ELE: Foi o reboliço total! Passados uns minutos saiu do quarto um tipo negro, muito alto e espadaúdo, ainda a vestir-se.
ELA: Mamma mia...
ELE: Então eu entrei no quarto e chamando-lhe uns nomes feios mandei-a para a rua.
ELA: Que horas eram?
ELE: Cerca das onze.
ELA: Também foste chato. A essa hora da noite...
ELE: Pois…como eu sou um coração mole e perante o choro dela, os pedidos insistentes de desculpa e o argumento de que não tinha para onde ir, mandei-a dormir no sofá.
ELA: Que bom coração! Era de a pôr a dormir dentro da banheira! Ou no soalho!
ELE: Mas no dia seguinte saiu…para sempre.
ELA: E ainda te bafou umas coisas.
ELE: Não! Não dei por falta de nada.
ELA: E ainda lhe deste dinheiro na despedida.
ELE: Sim…mas pouca coisa.
ELA: Tens, de facto, um coração feito de manteiga.
ELE: Satisfeita com a história?
ELA: Quanto tempo durou o namoro?
ELE: 6 meses. E agora vou dormir. E amanhã é a tua vez de me contares coisas de ti.
ELA: Eu não tenho histórias dessas.
ELE: Contas outras.
ELA: Ok
ELE: Então boa noite e dorme bem
ELA: Tu também.
ELE: Beijinhos *******************
ELA: de estrelinhas lololol ***********************
ELE: Xau. Bom trabalho amanhã.
ELA: Xau. És um querido!
ELE: Tu é que és uma querida!
ELA: Sério!
ELE: Vou sair
ELA: Bons sonhos!
ELE: Igualmente. Saí!

sábado, setembro 24, 2005

No velho mIRC - parte II

ELE: Truz! Truz! Posso entrar?
ELA: Olá solteirão, boa noite!
ELE: Olá flor, boa noite!
ELA: Correu – te bem o dia?
ELE: Obrigado. Foi normal. Sem nada de especial.
ELA: Cozinhaste?
ELE: Comi duas sandes de fiambre, uma maçã com queijo e tomei uma cervejola.
ELA: Para ajudar à engorda, né?
ELE: Vale o bem que sabe pelo mal que faz.
ELA: Recebeste as minhas fotos?
ELE: Recebi! E hoje chamei-te flor, não pelo nick mas porque és muito bonita.
ELA: Obrigada. Não sou de deitar fora. lolololol
ELE: Pelo que vi…não! Acho que é um crime deitar fora tal flor.
ELA: Pois…eu vi as tuas. És giro e não se vê a careca.
ELE: Porque está no alto do cocuruto! Já te tinha dito. lolololol
ELA: E são recentes. Tem a data que não deixa enganar.
ELE: E o teu dia, como correu?
ELA: Bem! Hoje tive poucas aulas e os miúdos portaram-se bem.
ELE: Que ano tens?
ELA: 10º e 11º de português, só! É um bom horário.
ELE: O teu filho vive contigo, presumo.
ELA: Sim! O André está no 1º de Engenharia Civil, mas no ISEL.
ELE: E não usa o PC?
ELA: Ele tem outro! Com gente fina é outra coisa. lololol
ELE: Estão em rede?
ELA: Não! Eu tenho o ADSL do Clix e ele a NetCabo.
ELE: Pagas o dobro, mais ou menos.
ELA: Já pensei na rede, mas havia um problema qualquer. Talvez agora já não exista.

ELE: Tenta ficar em rede. Poupas umas coroas.
ELA: Vou falar ao rapaz nessa possibilidade.
ELE: O André tem passado sempre, parece.
ELA: Sim! E espero que assim continue. A vantagem é dele (e minha também).
ELE: Mas principalmente dele.
ELA: Está a pensar em fazer só o bacharelato e ir trabalhar. Tem um namoro certinho.
ELE: Como um relógio suíço. lololol Desculpa! Mas gosto de jogar com as palavras.
ELA: Fazes bem! Eu aprecio isso.
ELE: Estás separada à muito tempo?
ELA: 2 anos. Divorciada à 6 meses.
ELE: Em que zona vives?
ELA: Na Ajuda. Num bom andar. Um T3. Ficou para mim depois da separação.
ELE: Não tens namorado?
ELA: Não! Estou bem assim.
ELE: Mas encaras a possibilidade de refazer a vida com outro homem?
ELA: Não me parece muito fácil. Preferiria ter um parceiro a viver noutra casa.
ELE: Isso está cada vez mais na moda.
ELA: Pois está. Os casais estando demasiado tempo juntos saturam muito depressa.
ELE: Dou-te razão. Mas prefiro uma ligação mais forte. Talvez por isso ainda esteja solteiro.
ELA: Mas por convicção ou por força das circunstâncias?
ELE: Devido a um facto da minha vida que me marcou muito.
ELA: Hum…eu não pergunto nada. Só contas se quiseres.
ELE: Namorava uma rapariga que há 7 anos foi atropelada e morreu. Estava de 4 meses.
(pausa)
ELA: Agora fiquei muda.
ELE: Conheci-a 3 anos antes. Tinha 32 e ela 28. Quando faleceu estávamos a pensar em casar.
ELA: Até porque iam ter um filho.
ELE: Exactamente. Era o momento ideal. Eu tinha 35 e ela 31. Foi uma coisa muito má.
ELA: Até me deixaste mal disposta!
ELE: Desculpa!
ELA: Ora! Foi uma confidência que me doeu um pouco.
ELE: Imagina como eu fiquei!
ELA: É difícil! Acho que só a vivência desses momentos nos faz sentir um tal drama.
ELE: Claro! Penso que ficarei com uma cicatriz para sempre.
ELA: Deixa-me agradecer o teres confiado em mim. Afinal só falamos ontem.
ELE: Inspiras-me confiança. Não me perguntes porquê. E às vezes preciso de desabafar.
ELA: Eu estou aqui disposta a ouvir o que quiseres contar. Garanto confidencialidade.
ELE: Obrigado.
ELA: Tlm
ELE: Ok! Volto já!
(curtos minutos depois)
ELA: Alô!
ELE: Estou aqui!
ELA: Era o meu filho.
ELE: Aproveitei para ir beber e fazer xixi. Água para dentro e água para fora. lololol
ELA: Queres falar mais sobre esse assunto?
ELE: Não! Há temas mais alegres.
ELA: Pois há. Mas agora fiquei deprimida. Tu ainda tens os teus pais? Eu tenho só mãe.
ELE: O teu pai faleceu?
ELA: Sim! Há 10 anos. Enfarte. Era gordinho e tinha uma vida stressante.
ELE: Ainda tenho pais. Tem ambos 66 anos. E estão muito benzinho.
ELA: A minha mãe demorou a recuperar. Agora vive com uma irmã também viúva.
ELE: E como está de saúde?
ELA: Tensão alta, colesterol…enfim!
ELE: Mudemos de assunto, concordas?
ELA: Claro! Então diz-me quando vens a Lisboa e quando vamos ao tal jantar. lololol
ELE: Daqui a 15 dias devo ir passar uma semana numa montagem em Sacavém.
ELA: Então tenho de fazer uma dieta de emergência. lolololol
ELE: lolololol Normalmente fico alojado em Lisboa. No Amazónia Lisboa.
ELA: Onde fica?
ELE: Perto do Marquês. Não é caro e tem garagem.
ELA: Porque não vais para o Ritz? lolololol
ELE: Não me importava! lolololol
ELA: Mas vais estar muito ocupado, calculo.
ELE: Sim. Durante o dia. E talvez algumas noites a preparar trabalho.
ELA: Tem de ser.
ELE: Com estas estadias fora ganho mais algum. Dá jeito.
ELA: Claro!
ELE: Pretendo trocar o meu T1 por um andar maior e melhor.
ELA: Tem juizinho, o menino.
ELE: Procuro fazer uma gestão correcta do que ganho. Já fui bastante gastador, mas agora estou mais maduro.
ELA: Por isso és Madureira?
ELE: Brincalhona!
ELA: Tens carro?
ELE: Sim. Mas da empresa. Não tenho carro próprio. Para que quero dois?
ELA: Para me dar um lolololol
ELE: Vou pensar nisso lolololol
ELA: Estava a brincar, naturalmente. Mas gostaria de dar um ao meu filho.
ELE: O pai não dá?
ELA: O pai ficou a perder com o divórcio. Foi ele que se foi embora.
ELE: Davas-lhe cabo da paciência? lolololol
ELA: Arranjou uma miúda com 28 anos. E desapareceu!
ELE: Que idade tem ele?
ELA: Agora…50.
ELE: Perdeu a cabeça…lololol
ELA: Completamente!
ELE: É a vida! E essa parece ser uma idade perigosa.
ELA: Deve ser por se estar a aproximar a andropausa.
ELE: Talvez! Aproveitar ao máximo o tempo que resta.
ELA: Tenho de te confessar uma coisa.
ELE: Diz!
ELA: Não tenho 42 mas 45 anos.
ELE: Ai as mulheres! Deixa lá! Estás perdoada lolololol
ELA: Não ficaste chateado?
ELE: Se tivesses 87 ficava. Assim não! lololol
ELA: Ainda bem!
ELE: Olha! Estou com sono. Vou dormir.
ELA: Eu também. Hoje fizemos confidências importantes.
ELE: Tens razão! Mas isto faz crescer a relação de amizade.
ELA: Absolutamente! E sabe bem confiar em alguém.
ELE: Se fosse a ti não confiava muito em mim. lololol
ELA: Eu já não sou criança. Confio, para já. Depois se verá!
ELE: Vou sair. Gostei muito da conversa. Continuamos amanhã?
ELA: Sim! Beijinhos! ****************
ELE: Ahhh…amanhã vou jantar com os meus pais. Venho mais tarde.
ELA: Eu espero!
ELE: Obrigado!
ELA: Até amanhã **********************
ELE: Até amanhã, Ana ******************
ELA: Também vou sair. E lamento o grande azar que tiveste na vida!
ELE: Obrigado! ******************** Xau
ELA: Xau*******************************
ELE: Saí

quarta-feira, setembro 21, 2005

No velho mIRC - parte I

ELE é solteirão, com 42 anos, do Porto, com o curso de engenharia do ISEP, um emprego estável na privada, 1,67 m, 75 kg, quasi careca no alto do cocuruto, um pouco tímido e ingénuo. Sem parceira.
Usa o nick “Solteiro41”. Nome verdadeiro: Rui Madureira

ELA é divorciada, com 45 anos, um filho de 19, de Lisboa, com o curso de Letras, professora de português no secundário, 1,70 m, 78 kg, óculos, muito maquilhada, pseudo-loira, desenrascada. Costuma ter encontros clandestinos com um amigo casado.
Usa o nick “Flor campestre”. Nome verdadeiro: Ana Maria Soares.


ELE: Olá! Que cheirinho!
ELA: Olá! Obrigado!
ELE: Donde ttcl?
ELA: De Lx. E tu, donde és?
ELE: Do Porto. Mais precisamente, de Matosinhos.
ELA: Tens filhos?
ELE: Não! Sou solteiro.
ELA: Ah…mas podias ter filhos sendo solteiro :)
ELE: Podia. E a menina é casada?
ELA: A menina é divorciada.
ELE: E tem filhos?
ELA: Um rapaz com 19 anos. Mas não me trates assim. Trata-me por tu.
ELE: Ok!
ELA: Que idade tens então, solteirão? 41?
ELE: Já tenho 42. Quando me registei é que tinha 41.
ELA: Eu tenho 42.
ELE: Que curso tem? Perdão: Que curso tens?
ELA: O de Românicas da Fac. de Letras de Lx.
ELE: Então és professora.
ELA: Sim. Do secundário. Português. Em Oeiras. E tu? Que fazes?
ELE: Sou formado pelo Instituto Superior de Engenharia em Mecânica
ELA: E trabalhas onde?
ELE: Numa empresa privada de metalomecânica.
ELA: E gostas?
ELE: Gosto.
ELA: Fiquei curiosa. Posso fazer-te uma pergunta?
ELE: Claro!
ELA: És solteiro aos 42 anos. Deves ter alguma relação estável.
ELE: Não! Neste momento, não!
ELA: Então és um bom partido lolololol
ELE: Talvez! Mas um partido de esquerda lololololol
ELA: lololol Ainda bem! És comunista?
ELE: Não! Tendo para o PS. Digamos que sou simpatizante.
ELA: Eu também. Mas afinal neste momento estás completamente só?
ELE: Estou.
ELA: Deve ser chato…
ELE: Claro, mas não tenciono ficar sempre assim.
ELA: Ainda bem! Senão ainda pensava que eras maricas lolololol Ai…desculpa!
ELE: Não faz mal! Seria um raciocínio comum.
ELA: É verdade! Posso saber o teu nome?
ELE: Podes. Mas tenta adivinhar primeiro.
ELA: Só se me ajudares. Por que letra começa?
ELE: R
ELA: Rodrigo!
ELE: Negativo.
ELA: A segunda letra.
ELE: Isso é ajuda demais! Digo-te antes que tem 3 letras.
ELA: Hummm…um momento….Rui!
ELE: Fantástico! Acertaste! lolololol
ELA: lolololol
ELE: E o teu?
ELA: Também tem 3 letras. Que giro!
ELE: E começa por…
ELA: Com 3 letras não digo. Tens de te esforçar.
ELE: Assim fico muito cansado.
ELA: Deves andar um bocado folgado. Até te faz bem. lolololol
ELE: Terrível! És terrível! Eva?
ELA: Não!
ELE: Estou bloqueado no paraíso.
ELA: Tenta de novo, Adão! Quero dizer: Rui!
ELE: 3 letras…3 letras….Ana!
ELA: Muito bem!
ELE: Ana Maria, imagino!
ELA: É. As Anas da nossa geração ainda eram quasi todas Marias.
ELE: E escrevem com poucas abreviaturas.
ELA: Como professora de Português, tenho de dar o exemplo lolololol
ELE: Eu também não gosto. É muito mais prático usar abreviaturas. Mas não gosto.
ELA: Outra coisa que temos em comum.
ELE: É verdade!
ELA: Pois…não sou mentirosa! lololol
ELE: Parto do princípio que não.
ELA: E partes muito bem.
ELE: Pois parto! Sobretudo loiça quando a lavo.
ELA: Eu tenho razão quando digo que és um bom partido. Lavas a loiça. E que mais?
ELE: Em relação a trabalhos domésticos, sei fazer tudo. Excepto cozinhar.
ELA: Mas que maravilha!
ELE: Bom! Cozinho algumas coisas. Mas daquelas muito simples, tipo omeletas.
ELA: E só comes omeletas? lololol
ELE: Não! Fruta, pão, saladas, bolachas…
ELA: lololol
ELE: De facto, almoço bem, no exterior. Lancho. E depois, aqui, sou mais frugal.
ELA: Assim é fácil lavar a loiça.
ELE: Achavas que eu era assim tão burrinho?
ELA: Não! Não disse isso! Mas lavar tachos e louça com gordura é mais complicado
ELE: Sim! Se não houver máquina. Mas eu tenho! lololol
ELA: Então deves ser magrote e sem barriga.
ELE: Às vezes encomendo o jantar fora.
ELA: Comidinha de plástico.
ELE: Mais vale de plástico do que comer só ar.
ELA: És um tipo simpático, sabias?
ELE: Sabia. Há muito tempo lololol
ELA: Mas que peneirento…afinal és magro ou gordo?
ELE: Peso 75 kg
ELA: Ora! E medes 1,50 m ou 1, 90?
ELE: Bom…confesso que sou baixote e tenho tendência para engordar.
ELA: És mais baixo do que eu? Tenho 1,70.
ELE: Então sou…um bocadinho…tenho 1,67.
ELA: Ah…sendo assim és gorducho. Precisas de fazer exercício lololol
ELE: Estou inscrito num ginásio, mas falto muitas vezes.
ELA: Eu referia-me a outro tipo de exercício.
ELE: Tens razão! E tu? Quanto pesas?
ELA: Eu sou uma mulheraça!
ELE: 75 kg?
ELA: Mais três. 78
ELE: És, de facto, uma mulheraça.
ELA: E sou loira, mas não burra!
ELE: Loira natural ou química?
ELA: Bom…sempre gostei muito de fazer mixórdias lololol
ELE: Se te fica bem…deixa estar!
ELA: Claro que deixo! E tu? Careca?
ELE: Já tenho uma ligeira calva, no alto da cabeça
ELA: Ah…és daqueles que vai ficar com cabeça tipo campo de aterragem de moscas lol
ELE: Provavelmente…
ELA: Não te preocupes…é dos carecas que elas gostam mais.
ELE: Há sempre a possibilidade de fazer um implante capilar.
ELA: Deixa-te disso…há coisas mais importante num homem que o cabelo. Olá se há!
ELE: Tenho um certo desgosto pois ainda sou novo...mas paciência!
ELA: Diz-me Rui! Estás sempre aí ou costumas viajar?
ELE: Viajo! Para diversos pontos do país. E, às vezes, vou a Lisboa.
ELA: Muitas?
ELE: Depende! Normalmente saio quando tenho de orientar montagens mecânicas.
ELA: E fazes dessas coisas aqui?
ELE: Claro! Temos muitos trabalhos em Lisboa. Mas há outros colegas para ir.
ELA: E ficas cá muito tempo?
ELE: Normalmente, fico! Uma semana…um mês, ou mais. Depende do trabalho
ELA: Então quando cá vieres podemos tomar um cafezinho juntos.
ELE: Com certeza! Ou mesmo jantar!
ELA: Já estou vestida para matar…quero dizer…para jantar lolololol
ELE: Não me queres mandar uma fotografia tua? Ou mais que uma.
ELA: Certo. Mando por e-mail.
ELE: Toma o endereço: ruimadureira@netcabo.pt
ELA: Madureira…muito bem!
ELE: Eu mando-te também duas ou três. Dás-me o teu endereço?
ELA: Ok! És uma simpatia amsoares@clix.pt.
ELE: Pois sou…mas agora vou dormir. Tenho de me levantar cedo e estou cansado.
ELA: Cansado? Tá bem! Gostei de ttcl contigo.
ELE: Eu também, Ana!
ELA: Dorme bem! Amanhã vens aqui?
ELE: Provavelmente, sim.
ELA: Então cá estaremos!
ELE: Até amanhã. Um beijo.
ELA: Muito beijos para ti ***********
ELE: Pronto! Para ti também, muitos **************
ELA: ***********************************************
ELE: **************************************************
ELA: Gosto mais de beijos sem ser com cruzinhas.
ELE: Também eu! lololol
ELA: Dorme bem!
ELE: Tu também! Até amanhã!
ELA: Até amanhã!
ELA: *

terça-feira, setembro 20, 2005

Novos rumos

Em cerca de sete meses e meio coloquei em exibição mais de oitenta posts.
A maioria deles são escritos sobre memórias do passado, como bem sabem aqueles que vem aqui com mais regularidade.
Apercebo-me, no entanto, que já começam a faltar recordações que justifiquem a feitura de um texto minimamente interessante (pelo menos do meu ponto de vista).
Ainda tenho algumas na minha lista de temas, outras poderão emergir repentinamente e ainda há as que entendo não deverem ser aqui publicadas.
Em suma: o stock atingiu o nivel mínimo de alarme.
Em consequência, depois de muito meditar sobre o que devia ser o novo ponto forte deste blog, decidi que seria a ficção.
É um desafio arrojado.
É muito mais difícil criar histórias e personagens do que contar factos reais vividos pelo próprio.
Mas, como se costuma dizer, para a frente é que é o caminho.
Como me saírei desta?
No próximo post já podereis começar o julgamento.
Vai sair coisa simples e despretenciosa porque, apesar de louco, não o sou tanto que ousasse fazer trabalho suculento logo de início.
Mas não me condeneis já.
Se correr mal, dai-me mais uma ou duas oportunidades.
Se continuar a correr mal, eu próprio saberei parar.

NOTA: Este pequeno post será eliminado quando sair o próximo, pelo que os comentários que fizerdes também o serão.

sexta-feira, setembro 16, 2005

Eu gosto de Lisboa!

Desde tempos imemoriais que as rivalidades existem:
Entre impérios, reinos, países, nações, tribos, regiões, cidades, bairros, grupos, famílias, pessoas. Quer numa perspectiva geográfica, linguística, étnica e racial, económica, religiosa, cultural, desportiva ou histórica. Ou vários destes ingredientes cozinhados num caldeirão.
Ou por razões bem mais comezinhas.
Senão, lembremo-nos do Alexandre Magno e os persas, dos Estados Unidos da América e da União Soviética, de França e do Reino Unido, de Castela e do País Basco, dos tutsis e dos hutus, dos cristãos e dos muçulmanos, de Atenas e Esparta, dos gangs de Chicago, dos Sharks e dos Jets do West Side Story, das famílias de Romeu e Julieta, de Soares e Cavaco, do Alves Barbosa e do Ribeiro da Silva, do Silva e do Sousa, colegas de trabalho.
E os exemplos seriam intermináveis.
Muitas vezes essas rivalidades descambaram para guerras sangrentas, para secessões, genocídios, crimes hediondos, subtis assassinatos.
Mas as rivalidades são, em contrapartida, muitas vezes saudáveis e enriquecedoras.
Permitem que se crie uma dialéctica geradora de mais e melhor. Acontecem em inúmeras e diversas situações, mas só quero salientar as que produzem uma luta (admitamos que seja leal) para ser promovido numa hierarquia, numa competição desportiva, na política. Normalmente, este tipo de rivalidade positiva ocorre em grupos humanos mais pequenos do que aqueles em que se desenvolve a versão mais negativa.

Esta questão levou-me a escrever sobre Lisboa e o Porto, as duas principais cidades (melhor seria, nos tempos actuais, chamar-lhes áreas metropolitanas) portuguesas.
Para quem não saiba, desde já digo que sou portuense de gema.
Uma velha rivalidade existe entre elas, todos o sabem. Mas nunca provocou conflitos significativos, salvo uns confrontos menores entre claques desportivas, alguns insultos entre os mais exaltados e muita discussão à mesa dos cafés.
Desde novo me habituei a ouvir dizer que Portugal era Lisboa e o resto paisagem, ou os lisboetas chamar província a tudo o que estivesse fora da sua esfera de influência. A chamar mouros e alfacinhas aos habitantes da capital e ouvir apelidar de tripeiros os portuenses. A dizer que no norte (e no Porto em particular) é que se trabalhava e na capital se preguiçava.
Nos tempos da ditadura, havia, de facto, um favorecimento da cidade do Tejo. Esta desenvolveu-se e centralizou as sedes das principais empresas industriais, comerciais e de serviços. Sem falar em tudo o que eram organismos ligados ao Estado, como o LNEC. Criou-se o Metropolitano. Desenvolveu-se o turismo. Criaram-se novas escolas superiores. Teve a primeira auto-estrada do país. E o Porto ficou parado no tempo, salvo a construção da ponte da Arrábida.
Mas, após a revolução, o desenvolvimento tornou-se mais harmónico, não só entre as duas regiões mas por todo o país.
Meu pai, portuense fervoroso e “bairrista” confesso, tinha negócios com firmas de Lisboa para onde viajava várias vezes. E tinha uma tese interessante: dizia que os verdadeiros ulissiponenses, aqueles cuja família lá estava há várias gerações, eram das pessoas de educação mais esmerada, amigas, honestas e integras que conhecia. O mal eram os que tinham chegado recentemente, muitas vezes com uma mão atrás e outra à frente, e tinham conseguido estabilizar a sua vida profissional e subir alguns degraus na escala social. Os novo ricos ou novos remediados, enfim.

Havia um casal de Cascais de quem o meu pai era particularmente amigo. Gente de fina estirpe. E, por várias vezes, ele insistiu para que viessem passar a noite de S. João ao Porto. E isso aconteceu uma vez. Pois gostaram tanto do que viveram nessa festa tão popular que, durante vários anos não deixaram de repetir a experiência.
E um outro casal, que vivia nas avenidas novas, convidou os meus pais para padrinhos da sua segunda filha, em detrimento de muitos familiares. Foi por ocasião desse baptismo que fui pela primeira vez a Lisboa. Estava a começar a construção do Metro e a RTP ainda era bebé. E, como não podia deixar de ser, fui visitar o Jardim Zoológico que me deixou deslumbrado. Ainda não havia ponte. A mais próxima era a de Vila Franca de Xira. Só vários anos depois foi construída aquela que inicialmente se chamou ponte Salazar para depois, numa idiota tentativa de apagar a história, lhe mudarem o nome para 25 de Abril.

Eu próprio vivi um ano no Alfeite, quando cumpri o serviço militar na Armada, e fiquei com a melhor das impressões da cidade e dos seus habitantes. E do seu tipo de vida e do seu clima. E da sua beleza paisagística, arquitectónica e monumental. E da sua luminosidade muito especial. Tudo muito mais mediterrânico do que cá no norte, onde a influência atlântica e da Europa central é marcante.
Nos primeiros anos deste século fui inúmeras vezes lá abaixo, conheci melhor a cidade e as suas gentes, e fiquei ainda mais marcado.
Ficava alojado no hotel Metropolitan, na Soeiro Pereira Gomes, mesmo em frente à sede do Partido Comunista Português e ao lado do novo edifício da Bolsa de Valores de Lisboa, perto do hospital de Santa Maria e da praça de Espanha.
Há uns dois anos que lá não vou e estou com saudades.
Aquela coluna vertebral que começa no Terreiro do Paço e sobe até ao Rossio, passa os Restauradores, percorre a bela avenida da Liberdade até ao Marquês, segue a Fontes Pereira de Melo e no Saldanha inflecte para a avenida da República, passa pelo Campo Pequeno (ainda não vi a praça de toiros remodelada) e termina no Campo Grande, é verdadeiramente fabulosa.
A zona oriental, agora remoçada com esse espaço magnífico que é o Parque das Nações, a notável zona de Belém, o parque de Monsanto, grande pulmão da urbe, a colina do Castelo, o Chiado, o Parque Eduardo VII e tantas outras coisas! Percorrer os doze quilómetros da ponte Vasco da Gama dá-me sempre um especial deleite.
Como é bonita a cidade de Lisboa.
E a vida nocturna bem viva e animada.
E a marginal para Cascais? E Sintra?
Gostaria de voltar a viver lá outra vez. Não digo para sempre porque gosto muito da minha terra; mas durante um ou dois anos…e como a vida dá tanta volta, quem sabe o que poderá acontecer?
Só espero que não haja o famoso terramoto que há muito se anuncia.

Voltando à tese do meu pai de que falei acima, penso que havia muito de verdade no que ele dizia. Os maiores fluxos migratórios internos, com origem em todo o país, dirigiam-se a Lisboa, e essa nova burguesia aparecia como tendo um rei na barriga. Inclusivamente, sempre foi grande a transferência de portuenses para a cidade das sete colinas, e muitos deles passaram a afinar pelo mesmo diapasão do “em Lisboa é que é bom”. Nas classes mais populares, mesmo tendo os seus ancestrais nascido à beira Tejo, também existia (e acho que ainda existe) uma pretensa superioridade em relação ao resto do pais em geral e à Invicta em particular. Porque nunca vieram ao Porto, digo eu.
Mas a cidade que deu o nome ao Port wine também foi sempre um importante pólo migratório das populações do norte e mesmo do centro. Note-se, por exemplo, que aqui há muito poucos insulares ou algarvios e alentejanos. É com uma certa superioridade que os tripeiros falam da sua cidade como a capital do norte ou a capital do trabalho. E, com uma traça muito diferente, a cidade do Douro também é bonita. E como ficou melhor nos últimos quinze ou vinte anos!
Esta mistura de tipos provenientes das mais diversas partes do país (e, mais recentemente, muitos de África, do Brasil e de países do leste) recomendam a não falar de lisboetas-standard ou portuenses-padrão, tão diversificadas são as características dos habitantes de qualquer das cidades (mas sobretudo da capital). É mais correcto falar em grupos de habitantes daqui e de lá.

Parece-me que, cada vez mais, os portuenses gostam de Lisboa e os lisboetas vão aprendendo a gostar do Porto. E neste intercâmbio que a própria sociedade actual facilita, sobretudo através dos extraordinários avanços ao nível das comunicações (em sentido lato), as rivalidades entre Porto e Lisboa vão sendo mais e mais um bom tema para brincarmos uns com os outros.
Nem todos pensam assim, eu sei. Mas já vai passando o tempo das rivalidades tolas e mesquinhas. Penso eu de que…

quinta-feira, setembro 08, 2005

Explicações no Ribeiro

Entrei para o liceu de Alexandre Herculano, na zona do Bonfim, do Porto, em Outubro de 1959.
Na escola primária tinha sido um bom aluno.
No primeiro ano do liceu andei mais ou menos, com notas entre 10 e 13. Mas, no último período levei um Mau a matemática e só a benevolência do professor, o Dr. Pedro Pinheiro Gonçalves de quem haveria mais tarde de me tornar amigo, dele e de parte da família, fez com que na pauta saísse um 9.
No segundo ano as notas não foram melhores. Levei uma negativa a Desenho. Mas, nessa altura, havia exames nacionais no fim desse 1º ciclo e o meu pai, temendo que as coisas corressem mal, no terceiro período resolveu meter-me num explicador colectivo.
Mas que raio de coisa era essa?
Tendo aulas de tarde até cerca das cinco horas, todos os dias ia para as Salas de Estudo do Bonfim das cinco às sete. O proprietário era um sujeito alto e entroncado, Com cerca de de cinquenta anos, cabelos brancos, voz de trovão, óculos ray-ban de aros dourados e lentes verdes, ar de macho sedutor que, não sendo formado, dava explicações de Francês. Era o Sr. Sebastião Ribeiro, também conhecido publicamente por ter sido dirigente do F.C. do Porto. Era casado com uma antiga aluna, a D. Beatriz, mais nova vinte anos do que ele e que, apesar de o ter desposado muito cedo, já estava um pouco estragada, não pelo peso do Sebastião (não sei se era o come tudo, ou não), mas por quatro partos de três meninas e um rapaz. Ele queria um moço e foi tentando até o conseguir, para sossego da mulher. O Ribeiro era a personalidade mais temida pelos alunos. Não precisava de ensaiar para enfiar duas galhetas na cara de quem não se portasse na linha.
Havia turmas mistas (coisa que não existia nos liceus) para os chamados alunos externos, os que estavam matriculados noutro estabelecimento de ensino, mas havia também classes de alunos “internos”, também mistas, para quem aquilo funcionava como um colégio.
Tínhamos aulas de Português e Francês, dadas pelo Sr. Seixas, um tipo do reviralho que já tivera uns dias de prisão na PIDE, sempre cabisbaixo e sonolento, de voz pouco audível e de Matemática, dadas pelo Eng. Alípio, um solteirão muito magro, sempre vestido de escuro, afónico, com as unhas dos dedos mindinhos bem compridas e constantemente a escarafunchar os ouvidos e a disparar o cerume para uma zona da sala mais vazia, pouco paciente e com ataques repentinos de ira. As Ciências e o Desenho ficavam por nossa conta.
Havia lá dois rapazes da minha turma do liceu: o Crespo e o atordoado, mas sempre com resposta bem-humorada na ponta da língua, Bernardino.
No total, seríamos uns quinze, dos quais talvez cinco fossem meninas: lembro-me da Emília, da Alice, da Dalila, da Fátima e da Zélia.
Éramos todos do Alexandre ou do liceu feminino da Rainha Santa Isabel que foi desactivado no ano passado. Que pena!
Mas, o mais relevante foi que as escritas do exame me correram bem e dispensei das orais (se bem me lembro, com doze).

Consequência mais notória: o meu papá entendeu que o sucesso se devera às explicações (e talvez tivesse razão) e resolveu que no ano seguinte iria para o Ribeiro desde o início. E continuei ainda por mais dois anos. Até ao fim do quinto, em 1964.
No terceiro ano, o primeiro do 2º ciclo, ainda tive aulas de tarde. Nos dois seguintes tinha aulas de manhã, pelo que ia para o velho edifício da rua de Santo Ildefonso por volta das três. Sendo muitas vezes o primeiro a chegar, aproveitava para estudar as disciplinas para as quais não havia explicações: Desenho, Ciências, História e Geografia. Mas, conforme iam entrando os colegas, o estudo ia-se convertendo em conversa e brincadeira, mau grado o esquelético e narigudo Sr. Pereira, dedos amarelos de tanto tabaco, ir apontando no quadro o nome dos que se portavam mal. Eram sempre os mesmos, com o Bernardino a aparecer repetidamente logo abaixo de M.C. (Mal Comportados). Mas, quando começavam a chegar os professores, o Pereira desaparecia estrategicamente e os nomes eram logo apagados.
Agora, o Português e o Francês eram leccionados pelo Ribeiro mas, como ele tinha as tarefas da gestão, era muitas vezes substituído pelo Seixas. O Inglês pela gordinha Dr.ª Matilde, irmã da D. Beatriz, solteira, e que viria a casar com o macambúzio Eng. Alípio que nos dava as aulas de Físico-Químicas. Finalmente, o melhor a ensinar: o solteiro e anafado Eng. Brenha, sempre bem vestido, que trabalhava também numa empresa do seu pai.
Nunca me esquecerei da forma brilhante como ele fez a introdução à Álgebra.
Chamou um aluno ao quadro e perguntou-lhe:
- Escreva aí um número qualquer.
E o moço escreveu 8.
- Isso é um 8. Eu quero que escreva um número qualquer.
O colega olhou para ele com cara de parvo. Ele e todos nós. E escreveu 17.
- Não! – disse o Brenha – Um número qualquer. Esse é o 17.
Perante o ar apalermado da plateia, e depois de ter perguntado se alguém sabia, pegou calmamente num pau de giz, aproximou-se do quadro e escreveu um “x”.
- Esta letra, em Álgebra, representa um número qualquer – disse.
E continuou:
- Se quisermos que seja 20 é 20. Mas pode ser 2 ou 234 ou 45.
Nunca esqueci isto. A noção básica da Álgebra é esta de um número variável representado por uma letra.
Feito este aparte, não posso deixar de referir a importância que esta escola mista teve para me habituar a ter raparigas como colegas. Foi, sem dúvida, um dos aspectos mais importantes para um jovem adolescente que estava quasi proibido pelo regime de partilhar as salas de aulas com pessoas do outro sexo.
E, do ponto de vista pedagógico, comecei a habituar-me a estudar com outros colegas, a pôr-lhes questões, a tirar dúvidas, a ensinar o que sabia. Passei a ser um bom aluno. Raramente tinha uma nota inferior a treze. Estive sempre no Quadro de Honra. Dispensei ao exame do quinto ano, quer em Letras quer em Ciências.
Foi um período que correspondeu ao desabrochar da personalidade, da mente, do corpo, da sexualidade. E acho que tudo de uma forma harmónica. Não sei se a frequência das explicações do Ribeiro tiveram muita ou pouca importância nestes resultados. Mas que tiveram, não tenho dúvidas.
Muitas histórias haveria para contar. Mas, confesso, já só me lembro de algumas.

Em determinada fase apaixonei-me por uma jovem sardenta, mas de ar já senhoril, que andava a estudar no Rainha Santa: a Zé. Confessei isso ao Rui. Este namorava com a Dalila que era prima desse “borracho”. E, como era próprio da época, a Dalila apresentou-me à Zé. Para desgosto meu, a rapariga não engraçou comigo e mandou-me dar uma curva. Não fiquei muito perturbado - mulheres há muitas, pensei - mas fiquei um bocadinho.
Mais complicado foi quando a Dalila, sempre ela, uns dias depois, ainda eu não tinha cicatrizado a ferida aberta no meu jovem coração, me chamou aparte e disse:
- Castilho! Tenho de te dizer que há duas meninas do quarto ano (eu andava no quinto, nessa altura) que gostam muito de ti.
Eu fiquei meio tonto. Não esperava nada daquilo. E logo duas. Afinal a Zé é que devia ter a mania que era boa.
- E quem são? - perguntei.
- Uma é a prima do Rui Seixas, a Cândida e outra é a Alcina. – disse com ar muito circunspecto a minha amiga – Agora é contigo. Ou estás interessado em alguma ou nenhuma te interessa.
- Pois é! – balbuciei.
E fiquei a matutar no que havia de fazer. Se fosse só uma…mas ter de optar entre duas era um tanto complicado. E ainda por cima dava-me bem com ambas.
Como seria de esperar, fui falar com o Mizé, com o Rui, com o Mesquita e com mais um ou dois colegas para me ajudarem a decidir. No meio dos mais diversos conselhos que agora não faço ideia nenhuma quais foram (nem interessa muito, pois deveriam ser bastante idiotas), ainda iam gozando com o meu recém-descoberto sucesso entre as raparigas.
Mas, de facto, eu via as mocinhas como colegas mais novas e, como se provaria mais tarde, sempre preferi as mulheres mais maduras às mais jovens. Não estava interessado em namorar com nenhuma.
Mas se rejeitasse as duas ainda poderia passar por maricas. Portanto, e sem convicção, escolhi a Cândida. Lá começamos a namorar mas a coisa durou pouco tempo.
Mais tarde, quando as vi com vinte e tal anos (a Cândida e a Alcina), já mulheres e muito jeitosas, pensei com os meus botões:
- Agora é que podiam vir dizer que estavam apaixonadas por mim!
Mas a Zé, essa ainda há poucos anos a via muitas vezes e nunca deixei de sentir um fraquinho por ela e pelas suas sardas.

As pessoas da minha geração que viveram na zona do Porto, nessa época, devem lembrar-se de um programa de discos pedidos que era transmitido pelos Emissores do Norte Reunidos aos domingos à tarde, com a duração de uma hora, salvo erro, e apresentado por um tal Daniel Gonçalves. Chamava-se “Música na Estrada”. Era muito popular entre os adolescentes e, mais de metade do tempo era passado com o locutor a dizer o nome ou “petit nom” de quem pedia o disco e a interminável lista daqueles a quem era dedicado.
Uma vez, eu e o Rui, mais o Mesquita e outro dos rapazes, resolvemos mandar um postal com a frase obrigatória, o nosso nome (Águias Negras – vejam bem!) e o disco pretendido. Estávamos em 1964, ano do aparecimento em força dos Beatles em Portugal, e nós pedimos um dos seus primeiros temas, uma canção fracota mas que foi o primeiro grande sucesso comercial do grupo de Liverpool – “She loves you”. Alguém se recorda?

Exactamente em 1964, com quinze anos portanto, terminei o quinto ano e, como o Ribeiro só leccionava até aí, terminaram para mim as explicações. De boa memória, como devem ter percebido do que escrevi atrás.
Mais histórias haveria certamente para contar, mas estas foram as que me ocorreram.
Anos depois, o Sebastião Ribeiro morreu deixando o negócio nas mãos da mulher e do filho. Entretanto tinham fundado o Externato de Santa Clara que absorveu as Salas de Estudo. Mas, tanto quanto sei, ainda hoje há aulas nesse velho edifício.
Dos meus colegas desse tempo nada sei.
Minto!
A Cândida e o Mizé (um dos meus conselheiros para assuntos sentimentais) casaram.
Um rapaz que andava um ano adiantado, bom estudante, o Tone Balio, aos vinte e poucos anos revelou-se esquizofrénico. Viveu os últimos anos no Hospital de Magalhães Lemos, tendo falecido no ano passado.

As pessoas que leram este texto podem não ter tido muito gozo com isso.
Mas garanto-vos que eu tive imenso a escrevê-lo.

sábado, setembro 03, 2005

Diplomacia no Rivungo

Nota prévia:
Este texto baseia-se em mais um episódio ocorrido durante a minha permanência de dois meses (Outubro e Novembro de 1974) como comandante interino do Destacamento de Marinha do Cuando, localizado no Rivungo, Cuando-Cubango, Angola.É o quarto desta série. Antes, coloquei em exibição:
“Sobrevoando a savana” em 01 de Junho de 2005
“O cortador de carnes verdes” em 18 de Junho de 2005
“Cena de caça no Bambangando” em 17 de Julho de 2005


Parte I

Estava uma manhã esplendorosa, com um sol quente e brilhante quando, por volta das dez horas, um dos meus homens me vem chamar ao pequeno aquartelamento:
- Sr. Tenente! Sr. Tenente! A Rosa vai ter um filho. Já lá está a Maria Cangonga e outras mulheres.
- Sim? – interroguei-o num tom preguiçoso.
- Então vou lá! Diz ao sargento Gomes que, se for precisa alguma coisa, estou na cabana da Rosa – concluí.
Levantei-me da cadeira onde saboreava aqueles apetitosos raios solares e dirigi-me para uma das cubatas do quimbo mais próximas de nós. Era onde vivia a Rosa.

Mas quem era a Rosa?
Como já disse em textos anteriores, eu tinha ido para o Rivungo para lá ficar somente durante um mês, período de férias do comandante efectivo, tenente Taborda. Mais tarde, recebi a ordem para proceder ao desmantelamento da unidade e regressar a Luanda, pelo que acabei por ficar mais quatro semanas.
O Taborda estivera lá cerca de quatro meses.
Antes dele, o comandante durante dois anos fora o tenente Vieira.
Quando, ainda antes de encetar a viagem para aquelas terras esquecidas, o Vieira soube que eu iria para lá, veio falar comigo e disse-me:
- Ó Castilho! Eu, no Rivungo, vivia com uma rapariga chamada Rosa numa cabana que mandei construir. Quando me vim embora ela estava grávida. O que eu te peço, como já fiz ao Taborda, é que quando nascer o meu filho ou filha o registes como meu e com o apelido Vieira.
- E a Rosa é negra, calculo! – perguntei desnecessariamente.
- É, mas é uma rapariga porreira, muito meiga, a quem eu também andava a ensinar a ler.
- Certo, Vieira! Não me esqueço – prometi.
- Ah…e que nome queres para eles? – interroguei-o.
- O dos pais. Luís se for rapaz, Rosa se for rapariga – disse o meu camarada após pensar uns momentos.
A Rosa devia ter mel, pois o Taborda também foi viver com ela quando para lá foi, como pude verificar quando cheguei ao local.
Era uma negra de tom claro, bonita, mas um pouco estragada devido ao avançado estado de gravidez.

Voltemos àquele dia de princípio de Novembro.
Cheguei junto da cubata e perguntei se tudo corria bem. Disseram-me que sim.
Uma curiosidade que gostaria de satisfazer era se, como me tinham dito, os negros recém nascidos ainda não tinham essa cor de pele. Teriam uma tez branca mas bastante mais avermelhada que os europeus.
Esperei cá fora, sentado no chão, quando apareceu de novo o grumete:
- Sr. Tenente! Estão ali dois tipos pretos, com uma farda e com pistola, que pretendem entregar uma carta ao comandante do barco.
Fui ver os homens, intrigado.
Apresentei-me e um deles, num português com sotaque africano, pediu-me para ler a missiva que ao mesmo tempo me entregou.
O envelope tinha um carimbo circular que dizia:
MPLA – A vitória é certa.
- Vocês são do MPLA? – indaguei.
- Somos. Mas do grupo da Revolta do Leste. O nosso chefe é o Daniel Chipenda. O Agostinho Neto tem tomado muitas posições de ditador e nós queremos democracia.
Já tinha ouvido falar dessa cisão no MPLA – Movimento Popular para a Libertação de Angola.
Daniel Chipenda fora um dos homens mais influentes do grupo mas tinha fomentado uma separação relativamente ao grupo original e principal liderado, desde a fundação, pelo Dr. Agostinho Neto.
Lembro-me dele sobretudo como jogador de futebol da Associação Académica de Coimbra. Nessa cidade estudara, mas interrompera o curso para ir combater com a guerrilha angolana.
Abri então o envelope e li o papel manuscrito que estava dentro dele.
Era um convite para irmos, no dia seguinte, com o navio (a Lancha de Desembarque Pequena de que já falei noutros textos) buscar um conjunto de guerrilheiros para os trazer para o Rivungo onde pretendiam fazer trabalhos de politização das massas.
Pedi um ou outro esclarecimento e resolvi chamar o Neto para mandar uma mensagem ao Comando Militar do Luso (agora Luena) do qual dependíamos operacionalmente e outra ao Comando Naval de Angola a quem estávamos ligados logisticamente.
Assim foi feito. Nelas pedi-a que me dissessem qual a decisão: Ir ou não ir!
Enquanto aguardava resposta, pensei que talvez ela não viesse em tempo oportuno e resolvi marcar uma reunião para depois de almoço com as forças vivas da terra: Estariam presentes, além de mim, o alferes Monteiro, comandante do destacamento do Exército, o chefe da PSP, o chefe da PIDE e também deveria estar o administrador de posto, Sr. Lebre, mas tinha voado para Serpa Pinto (agora Menongue) na semana anterior e voltaria nesse dia, mas mais ao fim da tarde.
O objectivo era preparar uma decisão para o caso de não termos retorno do pedido feito às hierarquias.
Fui pessoalmente falar com cada um e expliquei-lhes a situação.
Também achei por bem dar conta das minhas actividades aos “terroristas” para lhes incutir confiança.
Inicialmente pareciam-me um pouco receosos. Mas depois de falar com eles fizeram um daqueles sorrisos muito brancos como quem diz:
- Está a correr bem! Não vamos ter problemas.
De repente lembrei-me:
- A Rosa!
Corri para a cubata e lá estava a moça com uma menina nos braços. Tinha corrido tudo bem.
De facto não era negra, tinha uma coloração avermelhada.
Fui falar novamente com o Neto:
- Há resposta?
- Nenhuma, Sr. Tenente! – retorquiu o radiotelegrafista.
- Então repete as mensagens. E enquanto não vier nada, manda duas mensagens de hora em hora; uma para cada lado – ordenei.
Eram duas e meia da tarde quando começou a reunião.
Fui o primeiro a falar:
Rememorei o que se tinha passado até aí. Sugeri que, se não houvesse ordens específicas das hierarquias até às seis da tarde, tomássemos nós a decisão. E avancei com a minha proposta:
Atendendo ao que se estava a passar em todo o território angolano (e convém recordar que recebíamos o Expresso todas as semanas) uma recusa seria considerada uma atitude hostil pelos outros. Pelo contrário, e como a tendência era a de deixar as colónias com brevidade, parecia-me correcto que os homens viessem fazer os seus contactos com a população.
Os outros concordaram, excepto o tipo da PIDE, o Roque, que parecia ainda não ter percebido que as coisas estavam a mudar rapidamente e apresentou os mesmos argumentos salazaristas de “Angola é nossa” e outros que tais.
Curiosamente, fui sentindo ao longo da reunião aquilo que já tinha lido e estudado numa cadeira de Sociologia: que “a multidão segrega o líder” e, ali, era eu que emergia como o líder. Todos concordavam com praticamente tudo o que eu dizia (excepto o Roque, claro).
A certa altura chamamos os dois homens do Chipenda para combinarmos os detalhes para o dia seguinte. Tudo ainda pendente da resposta do Luso ou de Luanda.
Por volta das cinco chegou o Lebre. Alinhou também com as minhas posições.
Mandei chamar três dos meus subordinados: o sargento Gomes, o cabo Zé Castro e o João Correia para os pôr ao corrente da situação, pois era o destacamento da Marinha quem teria a parte mais importante na acção.
No entanto, o alferes Monteiro fez questão de também seguir a bordo no dia seguinte. Não me opus.
Eram seis da tarde.
- Ó Correia! Fazes-me o favor de ir perguntar ao Neto se veio alguma resposta? – pedi ao artilheiro.
Passados poucos minutos regressa o João:
- Não disseram nada, Sr. Tenente! Não nos ligam nenhum! Eles nem sabem que este buraco existe – resmungou o marinheiro.
- Pronto, meus senhores! Avançamos com a nossa decisão. Concordam? – perguntei em tom de fim de conversa.
Todos responderam afirmativamente excepto o pide. Disse que estávamos a cometer um grande erro e retirou-se.
Avisamos os da guerrilha que, depois, se foram embora.
Na manhã seguinte iríamos na nossa LDP pelo Cuando até um determinado ponto onde os antigos inimigos estariam à nossa espera.

Parte II

Partimos às oito. Só o Neto, o sargento, o Lima e outro grumete ficaram em terra. Cobrimos a metralhadora Oerlikon, a única arma pesada que havia a bordo, com um pano branco e o João ficou de se meter debaixo dele quando estivéssemos perto do local onde a lancha abicaria. Todos tínhamos armas, mas escondidas. Atamos um pano branco a uma vassoura para acenarmos, dando assim sinal de que a nossa presença era pacífica.
Ao fim de cerca de uma hora e meia de navegação, estávamos bem perto do local combinado.
De repente avistamos dois homens. Começamos a agitar o pano da vassoura.
O João escondeu-se com a arma preparada para fazer tiro de rajada.
Dei ordem ao cabo Zé para abicar.
Paramos.
Já havia cinco ou seis tipos à vista.
Mandei baixar a prancha da frente da lancha. Atravessei-a e fui para terra. Seguiram-me dois homens. Aquilo já era território zambiano.
De repente já não eram cinco nem dez, nem quinze.
Estariam ali uns vinte inimigos (ex-inimigos, felizmente). Mais tarde disseram-me que escondidos estariam mais uns trinta polícias da Zâmbia para ripostar em força, caso tivéssemos uma atitude hostil. Mas nós tínhamos a noção do risco que corríamos. Portamo-nos bem.
Cumprimentos, abraços, sorrisos, e foram embarcados dez homens. Eles queriam que fossem vinte, mas entendi que seria gente a mais. Comprometi-me a vir buscar mais dez passados cinco dias. Era preciso saber como as coisas iriam correr no Rivungo.
O chefe do grupo era um rapaz novo, uns vinte anos, com um olhar vivíssimo, com aquele brilho que só as pessoas muito inteligentes tem. E era dinâmico, também. E sensato. O nome de guerra era comandante “Cow-boy”. Falava bastante bem português. Uns meses mais tarde, já em Luanda, li num diário que fora morto aquando de um ataque da UNITA ao posto do MPLA de Serpa Pinto, no qual se encontrava. Tive pena do rapaz!
Mas havia um problema a resolver:
Os “turras” estavam todos armados com uma Kalachnikov, a metralhadora soviética exportada para todo o mundo. Um deles tinha um lança-foguetes. Só o chefe tinha uma pistola. Vestiam uma farda verde-azeitona escura (não sei se existe esta cor mas acho que dá para imaginar). Nós estávamos com camuflados e G3´s. Eu tinha também uma pistola Walter. Ainda tenho uma foto com uma Kalach e ao meu lado o comandante do grupo com a minha G3.
Chamei de lado o “Cow-boy” e disse-lhe:
- Caro amigo! Há uma situação que é de alto risco. Se vocês forem armados para o Rivungo, estando-o nós também, a possibilidade de haver tiroteios é enorme.
Ele escutava-me com toda a atenção. Os olhos bem abertos. Estava a perceber tudo, por isso continuei:
- Proponho-lhe uma coisa. Quando chegarmos à aldeia, vocês entregam-nos as armas que ficarão guardadas no paiol da Administração de Posto. E porquê vocês e não nós? Porque ainda é Portugal que detém a soberania sobre Angola. No dia da independência ou antes, se nós nos retirarmos de cá, o que é o mais provável, as armas ser-vos-ão devolvidas e a segurança será da vossa responsabilidade. Até lá, será nossa.
O jovem negro fez uma longa pausa.
Claramente não estava à espera daquela proposta.
Mas eu não tinha dúvidas, como aliás se provaria mais tarde, que tinha razão.
E, felizmente, o rapaz teve o bom senso de perceber bem a gravidade do problema e respondeu:
- Sim! Estou de acordo.
Eu respirei fundo e ele, quasi imediatamente, começou a falar com os seus homens sobre a nossa decisão.
A viagem demorou outra hora e meia (como seria de esperar, já que o rio pouca corrente tem). Foi animada com conversas, fotografias, risadas, vivas a Angola e a Portugal.
Um “turra”, no entanto, desde o início da viagem que vinha a ler um livro fininho, muito concentrado e sem entrar na animação geral. Aproximei-me dele e perguntei-lhe o que estava a ler. Sorridente nos seus dentes brancos mas desalinhados, mostrou-me uma gramática de português e, comentou numa linguagem dificilmente entendível:
- Para falar com o povo preciso de saber bem português.
Fiquei tocado. Dei-lhe uma palmada nas costas e disse:
- Fazes muito bem! Continua!
Quando chegamos ao Rivungo, uma multidão estava à nossa espera. Nem sei donde saiu tanta gente nem como a notícia se propagou tão velozmente. O administrador Lebre entrou para a lancha e deu as boas vindas como entidade civil mais destacada (a malta pensou em tudo).
Logo lhe disse que fosse abrir as portas do paiol para guardar o armamento “terrorista”.
Pedi ao “Cow-boy” para seguirem o Sr. Lebre e depois ele arrumaria as armas e ficaria com as chaves.
Como disse, esta decisão foi de grande importância. Alguns dias mais tarde, e sobretudo depois de ter vindo o segundo grupo, alguns menos garbosos guerrilheiros começaram a beber uns copitos a mais e, sobretudo à noite, lançavam frases provocatórias para os meus homens que estavam de sentinela. Sim! As medidas de segurança começaram a ser levadas mais a sério.
- Sr. Tenente! Estes filhos da puta estão a provocar-me e a insultar Portugal! Eu ainda lhes mando uma rajada que os fodo a todos!
- Calma, Nunes! Lembra-te que eles estão desarmados e tu estás armado. Tens de ter auto-controle – disse, procurando sossegar o moço.
- Tem razão, Sr. Tenente, mas às vezes quasi que me passo.
Felizmente os conflitos não passaram deste e de alguns casos similares. O meu argumento era sempre o mesmo.
Voltando ao dia da chegada com os dez guerrilheiros a bordo, o “Cow-boy” perguntou-me se podia fazer uma sessão de politização (era a expressão usada) para a população, na manhã seguinte. Pediu-me também para improvisar um palanque.
Aceitei! Pois se eles tinham querido ir para lá para fazer propaganda…
Estive a assistir ao comício que tinha imensos assistentes. As palavras proferidas foram sensatas e propícias a gerar um bom ambiente. Fiquei satisfeito.

Passadas umas duas semanas sobre este acontecimento, e em mais uma luminosa manhã de Novembro, começou a ouvir-se um barulho estranho. A pouco e pouco esse ruído foi-se aproximando até que alguém gritou:
- É um heli!
E poisou no ponto de encontro das duas “avenidas” do Rivungo. De lá saíram uma oficial da Marinha que eu conhecia da Messe dos Oficiais e um do Exército.
- Foi daqui que mandaram uma mensagem a perguntar se podiam ir buscar uns soldados do MPLA? – perguntou o capitão de fragata.
- Sim! Fomos nós! Mas a questão foi resolvida nesse mesmo dia. Não havendo ordens superiores, decidimos nós o que fazer. Estão a ver aquele homem ali? E aquele acolá? E aqueles dois junto daquela casa? São guerrilheiros! – disse num tom firme.
- E tem corrido tudo bem? Quantos homens estão cá? – perguntou o major do Luso.
- Está tudo controlado. Trouxemos vinte – retorqui.
Mais um bocado de conversa, uma voltinha pela terreola, uma ida ao destacamento onde ninguém estava com farda.
- Peço desculpa de ninguém estar fardado, mas as condições climatéricas aqui recomendam que as pessoas andem mais à vontade – procurei justificar-me.
- Não há problema nenhum – disse o visitante da Armada.
Mais umas tretas e lá se foram com a missão cumprida.
- Quinze dias depois! – rimo-nos todos com a eficácia dos superiores.
Deixem-me fazer um aparte para dizer que o oficial de marinha que nos foi visitar nunca chegou a regressar a Portugal. Uma noite, em Luanda, foi assassinado com dois tiros nas costas. O corpo só foi encontrado na manhã seguinte. Questões de saias com mulatas, foi o que constou. Era casado e tinha uma filha que eu conheci pois toda a família estivera bastante tempo em Luanda.

E com esta conversa toda esqueci-me da Rosa. Ou melhor, não esqueci, pois uns dias depois da chegada dos “turras” fui falar com o Lebre para se registar a bebé como filha do tenente Vieira.
- Ó Sr. Tenente! É melhor esperar mais algum tempo para vermos se a rapariga é mulata. Pode não ser filha dele.
Eu ainda tentei rebater o administrador, mas ele estava tão renitente que cedi.
E acabou por nunca mais ser feito o registo. Não sei se isso ajudou ou prejudicou a Rosa e a filha nos meses e anos que se seguiram. Ou se foi indiferente. Mas ainda hoje tenho a desagradável sensação de não ter cumprido uma promessa.


E, finalmente, em finais de Novembro, chegou um camião para nos levar de regresso a Luanda.
Fizemos uma pequena cerimónia de arriar a bandeira, já bastante rota e debotada, despedimo-nos da malta do exército, do Lebre, dos agentes da PSP, do outro pide, que o era para ter emprego e não por convicção, da miudagem, enfim…um pouco comovente.
Uma velhinha que me lavava a roupa todas as semanas chegou-se a mim a chorar e disse:
- Sr. Tenente! E agora o que vai ser de nós sem a tropa portuguesa?