Sexta-feira, 18 de Novembro de 2005.
Foi um dia intenso para mim. Por isso vou escrever sobre ele.Fugindo ao paradigma habitual dos meus textos, este será como que uma folha de um diário.
A manhã estava bonita.
Cheguei ao trabalho ainda não eram oito horas, sendo a entrada às nove.
Este hábito de adormecer a ver o telejornal e acordar bem mais cedo do que o programado no despertador começa a aborrecer-me em relação à perda de informação. Mas não é nada que me incomode muito. Vou buscá-la a outras fontes.
Tinha uma consulta marcada no Centro de Saúde com o chamado médico de família (que por acaso é uma médica – será que atraio assim tanto as mulheres?).
Pura rotina!
Fez-me um exame convencional, conversamos sobre os meus problemas de saúde que, felizmente, não são muitos nem graves e requisitou um conjunto de análises e outros exames que complementarão mais um dos meus “check-up” anuais. Já os faço à mais de dez anos.
Eu sei que não sou imortal e também não pretendo ser o morto mais saudável do cemitério, mas gostaria de, enquanto por cá andar (e ainda poderão ser muitos anos) ter alguma qualidade de vida.
Depois, fui chamado a um dos chefes dos Recursos Humanos da empresa. Já estava à espera.
Propôs-me a passagem à situação de pré-reforma. Já o fizera há duas ou três semanas com dois colegas de trabalho ligeiramente mais velhos do que eu.
Se aceitar, no meu sector só ficará um colaborador com mais de cinquenta anos.
O governo quer (e eu percebo perfeitamente que não é suportável para o erário público reformar pessoas tão cedo) retardar as reformas. Mas duma maneira geral, os trabalhadores não querem trabalhar até aos 65 anos de idade e as empresas pretendem mandar embora os mais antigos.
Esta será, talvez, a grande oportunidade que tenho de evitar trabalhar até àquela idade. Mas serei penalizado no valor da reforma que me será atribuída.
Portanto, nos próximos dez ou quinze dias terei de me informar, calcular, meditar, conversar, negociar para, finalmente, decidir.
É um daqueles momentos cruciais na vida de um indivíduo. Sair da vida activa.
Decisões tomámo-las a cada momento. Mas há algumas que são especialmente marcantes e requerem uma reflexão especial. Esta é uma delas.
Estava a começar a escrever uma nova história de ficção. Vai ficar parada pois as prioridades alteraram-se. “Wish me luck!”.
Para esse dia estava marcado um jantar com os dezoito ou vinte membros de uma sociedade de colegas de trabalho que aposta semanalmente no Euromilhões (confesso que me limito a pagar e nem sei qual a cor ou o aspecto dos boletins).
Como tem havido alguns proveitos, decidiu-se gastá-los numa mariscada.
Lá nos encontramos no Líder, sito perto das Antas, às vinte e trinta.
Eu não levei o meu carro. Fui no de um colega que não bebe álcool e fiquei, deste modo, mais livre para beber do magnífico verde branco que acompanhou o marisco.
Mas a viatura em que fui à boleia tem uma coisa que eu nunca tinha visto a funcionar: o sistema GPS. E lá fomos comandados por uma voz espanhola, de mulher (eu bem digo!) que nos ía dizendo:
“Agora à esquerda”
“Vire à direita a duzentos metros”
“Meta na segunda à direita!
E tudo com um completo mapa digital que mostrava as ruas todas, a posição do veículo e ainda o trajecto pré seleccionado pelo computado do automóvel.
E quando colocado noutro estado, no monitor íam aparecendo os nomes das ruas onde o carro estava. Mas que coisa porreira!
O jantar correu optimamente!
No final, que aconteceu já passava da meia-noite, surgiu a pergunta habitual:
- E para onde vamos, agora?
Uns foram para casa, outros não sei e, um grupo do qual eu fazia parte resolveu ir a um bar, com karaoke, que fica mesmo por cima do velho café ”A brasileira”.
Confesso que há muitos anos que não frequento este tipo de locais de diversão nocturna.
As minhas primeiras experiências foram pouco gratificantes pelo que deixaram de me interessar. Mas os membros do grupo eram quasi todos jovens (menos de quarenta anos, vários com menos de trinta), excepto eu e um dos tipos que vai para a pré-reforma.
E digo-vos que foi bem divertido.
O ambiente era agradável, o som não era estridente e portanto não incomodava, podendo mesmo conversar-se. Um dos colegas, desde sempre ligado ao canto e aos conjuntos, ainda cantou duas canções na maquineta, e eu fartei-me de abanar o capacete.
O certo é que só cheguei a casa por volta das três e meia da madrugada.
Mas houve um aspecto que me chamou particularmente a atenção: os colegas, homens ou mulheres, eram quasi todos casados e estavam ali numa boa com os cônjuges sossegadinhos em casa.
Não pude deixar de pensar que este tipo de comportamento, perfeitamente sadio, há uns vinte ou trinta anos atrás era impensável. Que se diria de uma senhora casada e mãe de filhos que ía fazer uma noitada com amigos e amigas sem o marido?
Para mim foi uma prova de que muitas coisas mudaram e que a igualdade de direitos entre homens e mulheres já não é só um slogan.
E também pensei que talvez seja este o caminho para os casamentos serem menos asfixiantes e, provavelmente, mais duradoiros.
Foi uma lição!
E já tenho mais informação para fazer uma das minhas “fabulosas” novelas com protagonistas mais novos.