O viúvo - parte X
- Nasci em Luanda a vinte e oito de Julho de 1970, como já te disse. Em 1975, tinha cinco anos, vim para o continente com os meus pais e a minha irmã Maria Teresa que tinha só dois anitos. Agora tem trinta e dois e é tão maluca como eu. Saímos à minha mãe. O meu pai era pacato. Até demais.
E continuou:
- Ficamos no Porto. Ao fim de algum tempo, a mamã arranjou emprego como balconista numa boa casa de louças e cristais onde ainda trabalha, mas agora num posto mais elevado, e o pai como vendedor de uma firma importadora de máquinas.
A morena fez uma pausa e acendeu outro cigarro.
O viúvo olhava para ela atentamente e, em vez do Martini, bebia o que ela ía desfiando.
E a mulher continuou:
- Andamos a estudar e até nem éramos más alunas. Mas depois de fazer o 12º, aos dezoito anos, como vês andei sempre bem, não quis estudar mais. Queria ganhar dinheiro para ser independente. Arranjei um emprego numa têxtil de Guimarães.
Em noventa e um, com vinte e um anos, casei com o Rui Manuel que tinha trinta e cinco. Mas a coisa deu para o torto e três anos depois separamo-nos e divorciamo-nos.
Fez uma pausa para beber um gole e continuou:
- Em noventa e sete, tinha vinte e seis de idade, juntei os trapinhos com o Aníbal, indo viver para a Trofa onde ele tinha uma pequena confecção. Ah! Ele tinha...quarenta anos...espera...exacto, quarenta. Mas começou a frequentar uns bares ou coisas do género e a fazer noitadas com uma frequência que não me agradava e seis anos e tal depois deixei-o e fui viver com o sócio dele. Houve um grande escândalo mas eu marimbo-me nessas coisas. Era o Jaime e tinha quarenta e cinco. Eu tinha trinta e três. Como vês, sempre homens um pedaço mais velhos.
Entretanto, em dois mil, o meu pai teve um enfarte que lhe provocou morte imediata. Fiquei bastante fragilizada. Talvez isso tenha contribuído também para a separação do Aníbal. Ele não me deu o apoio de que eu carecia e isso fez-me esfriar.
Nova pausa, novo cigarro, novo gole.
- Fumas bastante – falou, finalmente, o atento ouvinte.
- Não chega a um maço por dia. Mas bebidas deste tipo estimulam a vontade de dar umas passas – respondeu ela – tu não fumas?
- Raramente – respondeu o viúvo – mas depois de jantar sou capaz de fumar um cigarrito.
E a Cristina prosseguiu:
- Agora, em Agosto, eu e o Jaime decidimos separar-nos. Achei que não gostava dele o suficiente e, depois de conversarmos várias vezes sobre o assunto, decidimos acabar. E eu pensei em vir trabalhar com a Lena.
- E não tens filhos? – interrompeu o Novais.
- Não! – respondeu ela – penso que posso ter, mas nunca estive interessada.
- Bom! Já são oito e meia. Tenho de ir buscar a comida. Vens comigo? – disse o Zé.
- Ah! Pensei que eles vinham cá trazer – admirou-se a angolana.
- Não! Anda daí!
- Ok! Vamos lá – concordou a Cris.
Ao fim de cerca de vinte minutos estavam de regresso.
- Que queres beber, Cristina? Vinho maduro ou uma cerveja fresquinha? – perguntou o Zé Luís.
- Depois do Martini é melhor a cerveja. Senão ainda adormeço aqui no sofá – e a morena riu-se, mostrando toda a alvura da sua boca sensual.
- Então também bebo Super Bock. É a que tenho – disse o homem.
- E serve muito bem – disse a vizinha – o mais importante é a companhia.
Sentaram-se e começaram a saborear o bacalhau.
- Depois do que eu te disse, deves pensar que sou maluca ou ninfomaníaca ou outra coisa do género – disse ela.
- Acho que és uma mulher de um tempo diferente do meu. És livre, independente, e fazes da vida o que entendes. Se te sentes bem assim, óptimo. Mas devo dizer-te que não és nada tola. Soubeste aproveitar e conseguiste fazer um bom pé-de-meia. Tens uma casa, móveis e um carro – avaliou o Zé.
- Acho que me percebeste. Isso é bom! Muita gente não me compreende e tratam-me como uma leviana ou uma meretriz de luxo. Nada disso: quando ando com um homem, sou-lhe fiel. Há a excepção de ter trocado o Aníbal pelo Jaime.
- Pois, Aníbal e Soares nunca ligaram muito bem – gracejou o homem.
- Boa, Zé! Tens a tua cabecinha em forma – elogiou a Cristina Soares.
- O Jaime era casado e fomos viver para uma casa que ele comprou e eu mobilei. Assim não fiquei completamente descalça. – orgulhou-se a Cris – O facto de ser casado também ajudou à separação. Nunca esqueceu a mulher completamente, tenho a certeza.
- Eu bem te dizia há pouco que não eras nada parva – recordou o Zé.
- Agora vou comer um bocado sem falar porque a comida já está a ficar um bocado fria – disse ela.
- Também acho! – corroborou o viúvo.
- Mas depois tens de me fazer um relatório da tua vida como eu fiz da minha. Sou um livro aberto. Tu pareces mais reservado. Mas vamos comer e depois falas tu – sentenciou a morena.
- Ok! Eu falo! Não é preciso chamar a polícia para me torturar e obrigar a abrir o bico – e o Zé riu-se.
Ela também.
Enquanto acabavam a refeição, o Novais ía pensando.
- É uma fulana formidável. Esta conversa revelou uma pessoa com uma certa pancada na cabeça mas de uma franqueza notável e uma personalidade muito forte. Estou a gostar dela.
Terminada a refeição e feitas algumas limpezas e arrumos, estiveram uns minutos à janela a apanhar uma aragem fresquinha e a conversar sobre assuntos mais ou menos genéricos: o tempo, o custo de vida, a televisão...até que voltaram a sentar-se nos mesmos lugares do sofá.
- Agora vou beber um whisky e fumar um cigarro – disse o José – também queres?
- Sim, obrigado.
O anfitrião tirou do bar uma garrafa de Old Parr 12 anos, dois copos e disse:
- Vou pôr aqui um bocadinho de música de fundo e depois vou buscar gelo.
Ligou o leitor e colocou nele um disco com música tocada a solo por um pianista. Pouco depois reapareceu com o balde de inox e serviu a bebida on the rocks.
- Agora é a tua vez de te dares a conhecer melhor – falou a ainda jovem mulher.
- A minha vida, apesar de mais longa, foi menos agitada que a tua – começou. Nasci em Fevereiro de quarenta e sete no Porto. Estudei até terminar o 7º ano antigo.
Decidi ir fazer a tropa e depois continuar a estudar. Entrei em sessenta e seis, em sessenta e sete fui para Luanda e regressei em sessenta e nove. Foi um período estupendo.
- Eu só nasci no ano seguinte – interferiu a Cris.
Como já estava habituado a ter dinheiro no bolso e tinha conquistado a minha independência, fui trabalhar para um banco em setenta. Aí conheci a Margarida que tinha praticamente a minha idade e no verão de setenta e um casamos. Fomos sempre muito felizes.
Fez uma pausa, serviu-se de mais um pouco de scotch, verteu também no copo de Cristina e continuou:
- A única coisa que nos faltou foi ter um filho. Mas adaptamo-nos à ideia. Aproveitamos para ter um nível de vida melhor e viajamos bastante. Depois de nos reformarmos aos cinquenta, ainda mais. Até que em Abril apareceu o cancro no estômago da Guida e acabou por falecer no dia dezasseis do mês passado.
- Hoje são onze. Ainda não fez um mês. É muito recente – comentou a morena.
- Foram quatro meses bem difíceis. Depois fiquei completamente só. Mas tenho-me aguentado bem – disse o ex-bancário.
- Deves estar muito carente – disse, com uma voz prenhe de ternura, a visitante.
- Não fazes ideia! Não fazes ideia!
- Coitadinho... – murmurou a Cris.
E o Zé sentiu os pés da sua visita pousarem nas suas coxas.
Olhou para eles e viu que estavam nus, depois mirou-a e ela estava estirada no sofá.